Travam as renegociações de contratos na cadeia citrícola

26/04/2006
Nunca a cadeia citrícola brasileira esteve tão dividida. Concentrados no interior paulista, produtores de laranja e indústrias de suco não se entendem, e as rachaduras já são mais do que evidentes entre os próprios citricultores e também entre as empresas. O quadro pôde ser observado com todas as suas cores em reunião realizada ontem na sede da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp). Mediado pelo senador Aloizio Mercadante (PT-SP), pré-candidato ao governo estadual, o encontro tinha por objetivo principal definir diretrizes para uma renegociação emergencial de preços e condições de fornecimento da fruta dos produtores para as indústrias visando a safra atual (2006/07). Como pano de fundo, a idéia de devolver harmonia à cadeia, esgarçada pela investigação aberta a pedido de citricultores na Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça sobre um suposto cartel entre as grandes exportadoras de suco - Cutrale, Citrosuco, Coinbra e Citrovita -, e o estabelecimento de uma "agenda positiva" capaz de nortear o futuro do segmento. Mas, segundo os participantes da reunião, não houve avanços concretos em qualquer das frentes. Pelo contrário. O clima ameno de encontro com os mesmos fins na semana passada, em Brasília, foi substituído por discussões acaloradas e ataques. Produtores reunidos em sindicatos representados pela Faesp desautorizaram opiniões do presidente da Associação Brasileira de Citricultores (Associtrus), Flávio Viegas - que teve sua representatividade duramente contestada-, e vice-versa; todos atacaram as indústrias, que rebateram as críticas, mas estiveram longe de mostrar unidade depois que divergências de mercado reduziram a Associação Brasileira dos Exportadores de Cítricos (Abecitrus) a só um sócio de peso - a Cutrale. No meio do tiroteio, Mercadante tentava transmitir confiança. Chegou a elevar a voz diversas vezes e pediu um ajuste de conduta das partes envolvidas. No fim, foi político. "Há boas perspectivas para o setor, mas é preciso fortalecer os produtores. Alguns contratos estão sendo repactuados para compensar o citricultor pela alta dos preços do suco no exterior e pela queda do dólar", afirmou. Como as "repactuações" de contratos estão sendo feitas isoladamente por indústrias e seus fornecedores, seus termos não foram revelados. E ainda repousam sobre a mesa de negociações - que ontem voltou a contar com representante da SDE - duas propostas dos produtores para um reajuste emergencial geral. A Associtrus defende um preço mínimo de R$ 15 por caixa de 40,8 quilos da fruta entregue nas empresas, enquanto a Faesp, "puxada" pelos sindicatos rurais de Bebedouro e Taquaritinga, propõe uma cotação mínima do dólar de R$ 2,80 para os contratos em vigor (de US$ 3 a US$ 3,50 por caixa). Colheita e transporte da fruta seguem em debate, mas as empresas não querem o ônus. Esta onda de pressão dos produtores por reajuste começou a ganhar corpo em 2005, em linha com a alta das cotações do suco do mercado internacional (de US$ 800 por toneladas para os atuais cerca de US$ 2 mil) e com o enfraquecimento do dólar. "O conceito de produtor e indústria está superado. O que vale é a cadeia produtiva, e a "agenda negativa" atual, com a investigação da SDE e as tarifas antidumping [ nos EUA contra indústrias brasileiras] mancham nossa imagem no exterior", disse Ademerval Garcia, presidente da Abecitrus. Os citricultores concordam, mas pelo menos ontem o conceito de cadeia não prevaleceu. (Crédito - Fernando Lopes - Valor)