Seca faz Holambra II diversificar plantio e investir em laranja

02/11/2008

A Holambra das flores, que também é dos cereais e do algodão, agora é da laranja. Em Paranapanema, pequena cidade com pouco mais de 16 mil habitantes do interior de São Paulo, as mudas estão na terra.

Foi a melhor alternativa encontrada pelos descendentes de holandeses que estabeleceram ali a cooperativa Holambra II, em 1960, para driblar os veranicos comuns neste miolo do centro-sul do Estado, onde a fruta ainda encontra ambiente propício para avançar em áreas de sequeiro, apesar da cana onipresente e da expansão dos eucaliptos, outra opção com muitos adeptos. O grupo foi criado por filhos dos fundadores da Holambra conhecida pelas flores, cooperativa criada em 1948 no município paulista que desde 1991 leva seu nome, a cerca de 300 quilômetros a leste. 

Foi o severo veranico da safra 2005/06 que impôs à direção da Cooperativa Agro Industrial Holambra, identificada até nas placas rodoviárias como Holambra II, a necessidade de uma maior diversificação. Diferentemente da Holambra "mãe", situada na região de Campinas, em Paranapanema as flores nunca foram a aposta principal, mesmo que até hoje sejam por lá cultivadas. No município, localizado em uma região que há 20 anos era conhecido como Vale da Fome, foi o plantio de cereais, com o auxílio da irrigação (ampliada após a seca de 1985), que impulsionou o grupo. Mas e as áreas de sequeiro dos cooperados, que chegam a representar cerca de 30% das propriedades? 

Do alto de seus mais de 2 metros de altura, Simon Veldt, que há 16 anos preside Holambra II, conta, com sotaque carregado, a história com orgulho. Ele diz que, junto com os cereais, a cooperativa levou para uma Paranapanema ainda hoje simples hospital, escola e saneamento, além de outras melhorias em infra-estrutura mais tarde terceirizadas ou transferidas à Prefeitura. "Hoje, dos 35 municípios da região, Paranapanema e Itaí têm os melhores índices de desenvolvimento humano, segundo o IBGE", diz ao Valor. 

Há cerca de dois anos, Holambra II tornou-se um distrito de Paranapanema. O local escolhido, a pouco mais de 20 quilômetros do centro do município, não chama a atenção apenas pela estatura ou a pele e olhos claros dos cooperados que vivem ali. Disciplinado, o grupo mantém o distrito organizado e limpo, sempre conta com um representante nas correntes políticas locais e empresta prestígio para atrair a atenção do governo do Estado. Às vezes há rusgas com a comunidade que não faz parte da cooperativa, mas o que para alguns é arrogância para Veldt decorre de uma cultura empreendedora ortodoxa e pragmática. 

Foi a partir dessa doutrina que prega organização e eficiência que começou o projeto citrícola de Holambra II. Quando definiu que a diversificação era necessária, na seca de 2005/06, a cooperativa pensou em partir para a cana, que começava a avançar nos arredores. Para estudar essa possibilidade, não procurou as tradicionais usinas paulistas. Preferiu conhecer a experiência da Corol, cooperativa paranaense com sede em Rolândia. Chegou à conclusão, entretanto, que o aporte necessário para iniciar um projeto sucroalcooleiro sério, com usina e área agrícola, não se encaixava em seu perfil e em seu bolso - eram necessários pelo menos R$ 150 milhões. 

Só que a Corol também já tinha 4 mil hectares de plantas cítricas e uma fábrica de suco, e as contas eram bem menos salgadas. Afinal, para uma fábrica capaz de esmagar as laranjas de uma área como essa, um aporte de cerca de R$ 15 milhões é suficiente. Em Paranapanema, a fábrica ainda pertence ao reino dos planos, mas os 4 mil hectares começam, aos poucos, a virar realidade. 

Já são quase 700 hectares, diz Ivan Scholten, um dos 15 cooperados que vestiram a camisa laranja e passaram a formar seus pomares nos arredores do município. Até o fim de dezembro, afirma, sua família terá 48 hectares plantados. Engenheiro agrônomo como grande parte dos filhos dos pioneiros de Holambra II, Scholten é um dos mais entusiasmados com o projeto citrícola. 

No MBA em gestão de agronegócios que faz na Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo, seu projeto, desenvolvido com três colegas (Euzi Dognani, Loraine Coletta e Nivio Afonso ), traz o sugestivo título "Agregação de Valor e Alternativa Econômica: Plano de Negócios para Processadora de Suco de Laranja no sudoeste paulista". 

Scholten acompanha a reportagem em um pomar em formação dentro do distrito. Ele explica que hoje, para compensar o elevado custo inicial de quase R$ 4,8 mil por hectare (inflado pelo temor com doenças), além dos R$ 2,9 mil por hectare no primeiro ano de manejo e os R$ 2,8 mil do segundo, é preciso tomar muito cuidado com segurança fitossanitária e eficiência. A receita dos pomares só aparece a partir do terceiro ano, e o retorno total do investimento vem no oitavo ano, pouco antes de sua necessária renovação.

Na frente fitossanitária, o inimigo a ser evitado é o greening, doença letal, causada por diferentes bactérias e de fácil disseminação que vem se espalhando por São Paulo nos últimos anos. Alvo de várias ações de combate de produtores, indústrias de suco, secretaria estadual e Ministério da Agricultura, o greening se espalhou com forte intensidade em tradicionais regiões produtoras do norte paulista e forçou a migração de pomares para o centro-sul, onde as condições naturais são menos propícias à sua proliferação. 

Daí as inspeções regulares já realizadas em Holambra II e arredores, desde o início em linha com regras definidas pelo ministério na semana passada, e os viveiros totalmente protegidos por telas da Holan Citrus, que vem fornecendo as mudas para os "pioneiros" da laranja em Holambra II. A empresa pertence à única família que atuava nesse mercado antes de 2006. Mas Fábio van den Boomen explica que a Holan Citrus foi criada em 2007, a pedido dos cooperados envolvidos no projeto. 

Para essas famílias e outras espalhadas em uma região que também atrai as grandes indústrias de suco, a empresa já entregou 300 mil mudas. Suas estufas teladas ocupam 16,4 mil metros quadrados, e a capacidade de produção de mudas chega a 500 mil por ano, além de 2,4 milhões de porta-enxertos e 2 milhões de borbulhas. 

Outra característica "de ponta" adotada em Holambra II é o adensamento dos pomares, em linha com o que há de mais moderno na área. No pomar, onde o temor com o greening é evidente e há controle sobre a entrada e saída de pessoas, Ivan Scholten mostra que as mudam são dispostas em filas. Essas filas são separadas entre si por 6 ou 6,5 metros, e, em cada fila, as árvores crescerão separadas por 2,5 ou 3 metros. 

E o que significa isso? Significa que, como na maior fazenda de laranja do mundo, da Citrosuco (segunda maior indústria exportadora de suco do planeta, atrás da também paulista Cutrale), localizada em Iaras, na mesma região, a produtividade pode dobrar e o desperdício de insumos será menor. Em Iaras, segundo fontes do mercado, crescerão de 592 a 724 plantas por hectare (no passado eram menos de 300 em uma boa propriedade ), e parte da atividade será mecanizada - a distância entre as filas permite a utilização de um pequeno trator. Serão, ao todo, mais de 10 milhões de plantas.

Nesses casos, trabalha-se com produção em "cortina". Ou seja, os colhedores de laranja não precisam rodear a árvore e colhe-se no "paredão", uma vez que 90% das frutas estão dispostas nos primeiros 90 centímetros da copa da planta. Para a adoção do modelo, os cooperados contrataram a consultoria Campo, que assessora o desenvolvimento de todas as fases do projeto e oferece palestras e treinamentos. O projeto de Holambra II é bem menor que o da Citrosuco. A idéia é que sejam plantada por lá mais de 2 milhões de árvores, suficiente para que o grupo tenha razoável poder de barganha. 

Tudo isso acontece com o mercado internacional de suco de laranja em baixa, num cenário que faz com que os citricultores paulistas reclamem reclamem recorrentemente dos preços da fruta pagos pelas empresas. Eles alegam que o custo de produção da safra atual estão entre R$ 11 e R$ 12 por caixa de 40,8 quilos, enquanto os contratos de fornecimento de longo prazo firmados com as indústrias giram em torno de US$ 5 por caixa. 

Veldt, o presidente de Holambra II, não parece preocupado. Em primeiro lugar porque os pomares dos cooperados estão em formação. E também porque a idéia do grupo não é depender das indústrias, mas trabalhar com a opção de fornecer para elas, de vender para o mercado "de mesa" ou transformar a laranja em suco em fábrica própria, como a Corol. Foi com esse espírito que os cooperados recentemente receberam uma proposta da própria Citrosuco de pagar US$ 3 por caixa, fora adicionais que poderiam levar o valor a superar US$ 4. Questionado sobre a oferta, Veldt sorri e informa que também já foi sondado por Cutrale e Louis Dreyfus Commodities 

Instalado no centro de Paranapanema, Admar Theodoro Pinto, presidente do sindicato local dos trabalhadores rurais (fundado por ele em 1985), com sede própria recém-pintada, tenta se manter informado sobre o que acontece em Holambra II. E, em princípio, acredita que a laranja pode ser uma boa opção, dado o acelerado ritmo de mecanização da colheita de cana. 

O que ele quer mesmo é criar um novo assentamento para agricultores familiares da região, mas, enquanto isso, tem esperança de que a colheita de laranja crie empregos para os cerca de 2 mil filiados ao sindicato, poucos deles contribuintes fiéis do grêmio. "Holambra II trouxe algodão, soja, milho e feijão para a região [plantados por 55 dos 90 cooperados, em uma área de 28 mil hectares irrigados com pivô]. Quem sabe a laranja não nos ajuda? Melhor que a cana é", acredita. Holambra II também. 

Fonte: Valor Econômico - 28/10/2008