Recordando_Colher a Laranja!

20/08/2009

Colher a laranja
José Graziano da Silva

Aproveitando-se de um desastrado parecer do Cade, as indústrias de suco concentrado vêm se recusando desde 1995 a negociar, conjuntamente com os citricultores e trabalhadores do setor, os preços da laranja a ser colhida. As empresas líderes do setor — as cinco “C”, Cutrale, Citrosuco, Cargil, Coimbra e Citrovita, que produzem cerca de 90% do suco concentrado do País — vêm adotando uma estratégia de “fechar o oligopólio” criando novas barreiras à entrada de possíveis concorrentes. O resultado disso tem sido uma crescente integração vertical com as maiores indústrias produzindo cada vez mais elas mesmas as laranjas que moem, fechamento de pequenas e médias processadoras, boicote à formação de “pools” de produtores etc.
Na safra que está se encerrando, essas empresas “orquestraram” uma redução da oferta, conseguindo com sucesso elevar o preço do suco concentrado no mercado internacional. Isso, porém, gerou um excedente artificial de laranjas que o mercado interno, já debilitado pela queda do poder aquisitivo de boa parte da população, não foi capaz de absorver. Estima-se que deverá sobrar algo em torno de 40 a 60 milhões de caixas de laranja sem serem colhidas (alguns falam em até 100 milhões), especialmente dos pequenos e médio produtores que não têm contratos individuais de entrega.
Mais de 25 mil citricultores paulistas estão vendo suas frutas caírem de madura sem que o poder público se mova para evitar o desastre maior. Há hoje, um quase consenso de que é preciso colher essas 40 ou 60 milhões de caixa excedentes, pois, se ficarem no pomar até apodrecer prejudicarão ainda mais a produção da próxima safra (que já se estima será bem menor em função da seca deste semestre); além de contribuir para aumentar a reincidência de pragas e doenças, são os únicos elementos no momento que podem ameaçar nossa posição de liderança nos mercados internacionais.
Não será, entretanto, possível colher essa laranja que se tornou excedente sem a colaboração do setor privado e a presença ativa do poder público nos seus níveis municipal, estadual e federal. As prefeituras teriam de cadastrar os citricultores com fruta excedente durante os meses de janeiro e fevereiro de 2000 e estimulariam campanhas para a aquisição de frutas frescas e de produção de suco em pontos de venda liberados previamente (lembrem-se de que estaremos em pleno verão). Os governos estaduais e federal abririam mão dos impostos sobre o setor nesses dois meses (lembrem-se de que a laranja vai se perder), financiariam o custo da colheita e transporte para os produtores (menos de R$1,50 por caixa, o que custaria algo em torno de R$ 75 milhões de reais e poderia gerar cerca de 200 mil empregos temporários nesta entressafra que se prenuncia dramática do ponto de vista dos trabalhadores).
O BNDES poderia abrir linhas de financiamentos especiais a partir de janeiro de 2000 para incentivar o processamento adicional das indústrias que não participam da manobra oligopolista do setor, servindo o próprio suco concentrado de garantia do empréstimo pelo prazo de um ano, o que representaria na prática um financiamento do estoque de passagem de uma safra para outra, que se estima terá uma quebra significativa como já dissemos. Assim as pequenas e médias indústrias continuariam a moer nos meses de janeiro e fevereiro, pagando aos citricultores na base de uma tonelada de suco acondicionado em tambores inox para cada 500 caixas de laranja entregue (2:1, já que cada 250 caixas fazem uma tonelada de suco), tendo do produtor um prazo de 90 dias para retirar o suco ou entregar à prefeitura que os utilizaria para consumo institucional.
Para se ter uma idéia do potencial que representa essa demanda institucional, um projeto de lei do deputado Geraldo Vignoli (PDT), que acaba de ser aprovado na Assembléia Legislativa e foi vetado pelo governador Covas, estima que somente a obrigatoriedade de suco na merenda escolar representaria um adicional de consumo equivalente de 25 milhões de caixas, metade do excedente de laranja de que estamos falando. A atual campanha de incentivo ao consumo de laranja “in natura” organizada pelo Fundecitrus, se for bem sucedida, deverá comercializar menos de um milhão de caixas adicionais de laranja.
Não há dúvida de que não é fácil articular todas esses interesses, mas cruzar os braços e esperar a laranja cair só trará um ganhador: as grandes indústrias do setor que vêem se utilizando de práticas oligopólicas sob a complacência daqueles que deveriam coibir esses abusos.
(Folha de S. Paulo11 jan 2000 pág.3)