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A regulação vai ao campo

13/07/2010
Jos? Graziano da Silva

As aquisi?es definitivas de enormes glebas, como tem ocorrido na ?frica, s?o discut?veis se n?o vierem associadas a projetos para o desenvolvimento local

A crise de 2008 acionou um freio de arruma??o no escopo institucional do desenvolvimento. Na esfera agr?cola, a reafirma??o das pol?ticas nacionais de seguran?a alimentar - uma prioridade destacada pela Confer?ncia da Organiza??o das Na?es Unidas para Agricultura e Alimenta??o (FAO), de novembro de 2009, em Roma, deslocou a ?nfase anterior que transferia a responsabilidade p?blica do abastecimento a uma suposta coaliz?o de pre?os baixos e oferta just-in-time assegurada pelos mercados globais.

Estoques reguladores; pol?ticas de abastecimento e o pr?prio desenvolvimento da agricultura familiar haviam sido rebaixados diante das promessas da presen?a de um mercado provedor sempre abastecido com pre?os suficientemente baixos - porque subsidiados - para desincentivar a produ??o local. O colapso econ?mico, sobretudo seu est?gio preliminar de entropia especulativa e agigantamento da fome mundial desautorizou a cren?a numa correla??o de interesses entre seguran?a alimentar e desregula??o econ?mica.

Economias pujantes, mas n?o autossuficientes em alimentos, caso da China, por exemplo; ou aquelas desprovidas de ?gua, sol e solo suficientes para engatar sua matriz energ?tica ? era dos bicombust?veis, como as europeias, decodificaram o recado da crise: a seguran?a alimentar - e, no futuro, seguran?a bioenerg?tica - depender? cada vez mais de um certo grau de controle sobre os meios de produ??o.

Esse aprendizado tem m?o dupla. Um desdobramento da sua reciprocidade s?o as manifesta?es sobre a necessidade de se regular o com?rcio internacional de terras, particularmente a venda de enormes glebas a capitais estrangeiros destinadas a reserva de valor ou ? exporta??o de alimentos.

Estima-se que milh?es de hectares tenham passado ao controle estrangeiro a partir da crise de 2008, num movimento fortemente concentrado na ?frica que reuniria 80% da terra dispon?vel mirada pelos investidores, atuantes tamb?m na ?sia e, em menor propor??o, na Am?rica Latina. S? no Brasil, segundo o Minist?rio do Desenvolvimento Agr?rio, o saldo da propriedade estrangeira re?ne 4,3 milh?es de hectares. E isso porque considera empresa nacional qualquer registro de pessoa f?sica estrangeira que tenha domic?lio no pa?s.

Considerando que a agricultura ocupa cerca de 1,5 bilh?o de hectares no planeta e ainda existiria uma fronteira dispon?vel equivalente a 50% disso, a escala das transa?es recentes, em tese, n?o justificaria receios diversos. O que de fato parece pesar nos temores de governos e especialistas ? uma in?dita converg?ncia de impulsos apontando para um mesmo horizonte ampliado de press?o fundi?ria nos pr?ximos anos.

As fragilidades do abastecimento expostas pela crise foram apenas a ponta do iceberg. O fato ? que os aumentos dr?sticos nos pre?os das commodities entre 2007 e 2008 abalaram uma arraigada confian?a na tend?ncia secularmente baixista nos pre?os de produtos prim?rios. Na linha do tempo das cota?es, desde a II Guerra, houve apenas um precedente que desmentiu essa percep??o: durante a crise do petr?leo, em meados da d?cada de 70. O que se deu em 2007 e 2008 poderia ser apenas mais um ponto fora da curva, mas n?o ? isso que se desenha, pelo menos por enquanto: segundo recentes proje?es da FAO em conjunto com a OCDE, os pre?os das commodities agr?colas permanecer?o elevados na d?cada dificultando assim o acesso de bilh?es de pessoas pobres em todos os cantos do mundo.

Essa fornalha carregada de vapor altista n?o passa desapercebida no radar de fundos e megainvestidores. Insatisfeitos com o baixo retorno das aplica?es convencionais na longa convalescen?a p?s-crise, o dinheiro ambulante garimpa oportunidades de rendimento superior ao da papelaria financeira. A aquisi??o de terras f?rteis, mesmo sem a inten??o imediata de produzir, pode ser uma delas, aquinhoada por uma singularidade adicional: ao contr?rio das inova?es financeiras, terra ? um recurso finito que a economia e a engenharia dos mercados n?o consegue replicar. Mas ? por isso tamb?m que aquisi?es definitivas de enormes glebas, ou o seu arrendamento por prazos longos de 50 at? 99 anos, como tem ocorrido na ?frica, s?o discut?veis se n?o vierem associadas a projetos que ofere?am contrapartidas de desenvolvimento local. A justificativa corrente de que ? melhor o grande capital estrangeiro que agrega tecnologia e efici?ncia ? reprodu??o vegetativa da pequena agricultura cont?m uma perigosa meia verdade. O truque consiste em utilizar o confronto de escalas como biombo para omitir o debate que verdadeiramente importa: desenvolvimento para quem?

Desenvolvimento para qu??
Uma das quest?es evidenciadas na crise, enfatizada pela FAO, foi a vulnerabilidade de muitas economias que renunciaram ao desenvolvimento agr?cola pr?prio, fragilizando assim a produ??o familiar em troca de maior depend?ncia externa, com aumento da pobreza no campo e nas cidades. A revers?o desse processo demanda decis?o pol?tica dos governos locais para recolocar a seguran?a alimentar na agenda das pol?ticas p?blicas. Os pa?ses ricos ajudariam se mudassem a qualidade da ajuda internacional, destinando fundos ao desenvolvimento agr?cola, em vez de vincular recursos a doa??o em especial e importa?es subsidiadas de alimentos que asfixiam o produtor local.

Car?ncia financeira e defasagem tecnol?gica constituem fatos inquestion?veis na vida dos agricultores das na?es mais pobres. A agonia ou a ressurrei??o de sua agricultura, por?m, depender? muito mais da forma como esses recursos ser?o internalizados do que do seu aporte. A discuss?o de normas regulat?rias para o com?rcio internacional de terras tem a? um ponto de partida interessante. Cuidados como a transpar?ncia nas negocia?es; respeito pelos direitos existentes; partilha de benef?cios com comunidades locais; prote??o ambiental e ades?o a pol?ticas nacionais de com?rcio e seguran?a alimentar, s?o alguns crit?rios cogitados preliminarmente, aos quais acrescentar?amos ainda: transfer?ncia de tecnologia agr?cola; destina??o de uma parte da produ??o ao abastecimento nacional e o desenvolvimento de infraestrutura local que possibilite a irradia??o do desenvolvimento.

Mais que um veto ao investimento estrangeiro, medidas como essas esbo?am um pertinente c?digo de conduta para regular o grande investimento agr?cola no mundo p?s-crise, seja ele de que bandeira for.

Jos? Graziano da Silva ? representante regional da FAO para Am?rica Latina e Caribe. EMAIL: cna@knowtec.

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