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A confissão na apuração de cartéis e os benefícios concedidos pela autoridade antitruste

12/08/2010
Escrito por Daniel Christianini Nery
31-Jul-2008

Cart?is cl?ssicos, tamb?m chamados ?cart?is hardcore?, s?o aqueles cuja organiza??o conta com instrumentos de identifica??o, monitoramento e puni??o daqueles participantes que, por qualquer motivo, se desviem do cartel.

Uma das grandes dificuldades das autoridades de defesa da concorr?ncia de todo o mundo ? descobrir provas suficientes para a condena??o de empresas em processos que investigam a forma??o deste tipo de cartel. De fato, ? cada vez mais dif?cil encontrar ind?cios que comprovem a combina??o e a atua??o conjunta e cont?nua de empresas concorrentes, para controlar artificialmente o pre?o de seus produtos, maximizar o ganho e/ou impedir a entrada de novos concorrentes.

Ressalta-se que, para algumas empresas, a mera possibilidade de ter seu nome nas colunas jornal?sticas, como envolvidas em investiga?es sobre cartel ou outros il?citos anticoncorrenciais, j? seria suficiente para prejudicar sua atua??o e imagem no mercado.

? sabido que a investiga??o de cartel demanda tempo e recursos (escassos) do er?rio, al?m de trazerem uma batalha intermin?vel na esfera judicial, muitas vezes com incerteza jur?dica e prejudicando o encerramento do cartel. Neste sentido, os acordos, tanto na esfera administrativa quanto judicial, vem sendo adotados pelo CADE ? Conselho Administrativo de Defesa Econ?mica, como mecanismos para acelerar investiga?es, economizar recursos, dissuadir a pr?tica de cart?is e, ao mesmo tempo, preservar os direitos das partes sob investiga??o.

Este texto tem o objetivo de apresentar ao leitor dois desses instrumentos: o ?Acordo de Leni?ncia? e o ?TCC ? Termo de Cessa??o de Conduta?, para apresentar uma das quest?es mais atuais do direito da concorr?ncia, qual seja, a necessidade ou n?o, nesses acordos, de confiss?o da efetiva participa??o na conduta infrativa, por parte da empresa beneficiada.

A Lei de Defesa da Concorr?ncia ? Lei n? 8.884/94 ? foi modificada em 2000, para permitir o instituto do ?Acordo de Leni?ncia?. O termo ?leni?ncia? significa brandura ou suavidade. Assim, ao firmar um acordo deste tipo, o infrator da ordem econ?mica se disp?e a colaborar com a autoridade antitruste, mediante um tratamento mais brando por parte daquela. Este acordo pode ser realizado no que se refere aos aspectos econ?mico-administrativos (artigo 35-B da Lei 8.884/94) ou ainda nos aspectos penais (artigo 35-C da mesma lei).

Trata-se, portanto, de uma forma de confiss?o, uma dela??o premiada, na qual o investigado se compromete a colaborar efetivamente na investiga??o, culminando na identifica??o dos demais co-autores do delito e fornecendo informa?es e documentos suficientes para comprovar a infra??o analisada.

Mas existem requisitos objetivos para que a autoridade antitruste conceda tal benef?cio. Apenas o primeiro que trouxer tal proposta, colabora??o e provas, ser? agraciado com a leni?ncia (para evitar que, ao cerrar das cortinas, vendo a condena??o iminente, as empresas todas se utilizassem deste benef?cio para terem sua pena reduzida). Tamb?m n?o ser? oferecido o benef?cio ? pessoa ou empresa que liderou/organizou a pr?tica infracional.

Por fim, quanto aos efeitos deste instituto, durante a continuidade da investiga??o, h? um impedimento de oferecimento da den?ncia em face do leniente. A este respeito, nota-se tamb?m que a lei 10.149/00, que trouxe este instituto para a Lei de Defesa da Concorr?ncia, acabou criando uma nova modalidade de suspens?o da prescri??o da pretens?o punitiva, nos termos do artigo 116 do C?digo Penal. J? ao final do processo administrativo, se as informa?es e provas trazidas foram suficientes para alcan?ar o objetivo do processo, o artigo 35-C indica a extin??o da punibilidade como efeito principal em benef?cio do leniente. Neste aspecto, torna-se importante informar que n?o h? ainda uma posi??o fechada entre MPF e CADE acerca da plenitude destes efeitos no ?mbito penal, principalmente nos casos de a??o penal p?blica.

J? o TCC ? Termo de Compromisso de Conduta ? instituto que sofreu v?rias modifica?es nos ?ltimos anos. Primeiramente, a mesma Lei n? 10.149/00 impediu que este mecanismo fosse utilizado para casos de cartel, entendendo, ? ?poca, que este il?cito seria t?o delet?rio ? ordem econ?mica que a Administra??o P?blica n?o poderia transigir a puni??o nesses casos. Contudo, a Lei n? 11.482/07 mudou este entendimento, permitindo que o TCC fosse aplic?vel a todas as infra?es ? ordem econ?mica. O argumento utilizado para tal mudan?a foi o mesmo explanado nos par?grafos iniciais deste texto: a dificuldade na obten??o de provas para a condena??o de cart?is.

Trata-se, resumidamente, de um acordo proposto pela parte acusada perante o CADE, com vistas a interromper a eventual pr?tica investigada dentro de um prazo estabelecido. Durante este compromisso, o processo contra a parte acusada fica suspenso por um tempo determinado e, ap?s este per?odo, se a autoridade concluir que o suposto infrator se comportou dentro dos padr?es concorrenciais, o processo ? definitivamente arquivado. Para os estudiosos do tema, ? um instituto de Direito Econ?mico decorrente da descaracteriza??o da natureza penal e da aceita??o da natureza pol?tico-econ?mica da lei da concorr?ncia.

Para a assinatura deste acordo, ? fixada uma contribui??o pecuni?ria a ser recolhida imediatamente em favor do Fundo de Interesses Difusos e Coletivos. Tamb?m ? indicado um valor de multa para o caso do descumprimento do acordo, que ser? periodicamente acompanhado pela autoridade.

Evidentemente, estes dois valores devem ser altos o suficiente para n?o tornar o TCC uma esp?cie de ?taxa de legaliza??o do cartel?, ou seja, a contribui??o pecuni?ria, assim como a multa em caso de descumprimento, devem ser suficientemente grandes para impedir o desejo de iniciar novas pr?ticas ou insistir nas pr?ticas anteriores, por parte dos infratores. Afinal, um acordo capaz de deter uma a??o ilegal ? aquele que torna tal atividade custosa ao infrator.

Mas a atual discuss?o acerca deste tema tem sido a obrigatoriedade ou n?o de o TCC incluir necessariamente a indica??o de que as empresas efetivamente participaram nas condutas investigadas.

A este respeito, muitos operadores do Direito indicam que a obrigatoriedade da confiss?o estaria totalmente em desacordo com a id?ia inicial deste instituto, utilizado em v?rios outros ramos jur?dicos, nos quais se indica expressamente que a assinatura de um TCC n?o configura confiss?o de participa??o no ato investigado. Por outro lado, os defensores desta obrigatoriedade afirmam que o TCC s? faria sentido na seara antitruste se trouxesse esta caracter?stica.

Explica-se: como dito anteriormente, a investiga??o e instru??o de casos de cartel cl?ssico s?o altamente intensivas em recursos humanos e materiais e podem demorar muito tempo para serem conclu?das. Os acordos podem, de fato, contribuir na efic?cia do sistema, na medida em que antecipa as medidas punitivas. J? para a Administra??o P?blica, a vantagem de firmar um acordo est? na redu??o do uso de seus recursos, na melhoria da qualidade da investiga??o e na maior celeridade.

Por?m, como na maior parte dos casos de cartel existem muitos participantes envolvidos, para os quais deve ser garantida a ampla defesa, um acordo com um deles ou alguns deles s? representaria efetiva economia de recursos, celeridade e efic?cia na decis?o se houvesse reconhecimento da participa??o na pr?tica investigada e colabora??o, no sentido de confirmar a exist?ncia do il?cito ou trazer novas provas ao caso. Nos casos em que o proponente tenha sido objeto de busca e apreens?o, o teor do tal TCC deveria tamb?m incluir o reconhecimento da legalidade desta busca e apreens?o, para que seja almejado economia de recurso, sem perda de efic?cia no combate a cart?is.

N?o basta a oportunidade em se realizar um acordo de leni?ncia ou um TCC. ? necess?rio que tamb?m seja conveniente para a Administra??o P?blica utilizar este instrumento. H? um amplo reconhecimento de que ? mais eficaz encerrar o processo de forma antecipada, garantindo uma contribui??o pecuni?ria suficiente para coibir a pr?tica da infra??o e manter o fundamento punitivo, do que manter um processo durante v?rios anos. E justamente por este motivo a regulamenta??o do CADE sobre o tema permite, a crit?rio da autoridade antitruste, exigir ou n?o esta confiss?o.

E ? neste sentido que tanto a Secretaria de Direito Econ?mico ? SDE, quanto a Procuradoria do CADE atualizaram seu posicionamento, passando a pugnar pela exist?ncia do reconhecimento de culpa no caso de pessoas jur?dicas em todo e qualquer acordo em processos de cartel. A motiva??o expressa nesses novos posicionamentos ? a preserva??o do programa de leni?ncia.

Isto porque certamente este acordo deve ser mais gravoso ao proponente do que o acordo de leni?ncia, amparado pela Lei 10.149/00. Neste sentido, para o primeiro proponente de um acordo, deve ser sempre mais vantajoso firmar o acordo de leni?ncia, enquanto aos demais a vantagem pode estar na finaliza??o antecipada do processo e na seguran?a da decis?o e do quantum a ser pago, em face de prov?vel condena??o e imposi??o de multa ao final. Todavia, a leni?ncia, que deveria ser uma alternativa melhor ao acusado, j? conta intuitivamente com uma confiss?o de participa??o na conduta anticoncorrencial.

Assim, para aqueles que defendem a obrigatoriedade de confiss?o na assinatura do TCC (que, diga-se de passagem, ainda ? posi??o minorit?ria no Plen?rio do CADE, - que ser? amplamente modificado a partir do pr?ximo m?s, com a troca de quatro conselheiros), para que os efeitos de impedir e punir o cartel sejam preservados, e para que o acordo de leni?ncia continue a ser a melhor alternativa ao investigado, a exig?ncia de reconhecimento na participa??o da conduta para assinar o TCC deve ser considerada.

O tema merece maiores reflex?es por parte dos atuantes na ?rea da concorr?ncia e, certamente, o assunto est? longe de um ponto final. A proposta deste texto ? t?o somente trazer ao leitor alguns argumentos sobre o tema, para que as id?ias proliferem.

O Brasil tem uma experi?ncia incipiente na condena??o de cart?is e s? recentemente as multas tenderam a se elevar, o que pode ser ainda insuficiente para tornar os custos de uma condena??o mais previs?veis e cr?veis do ponto-de-vista do administrado, a ponto de gerar atualmente a discuss?o sobre necessidade ou n?o de confiss?o nos acordos. Neste caso, talvez a possibilidade de n?o haver mais interesse do administrado em propor tais acordos seja o mal necess?rio para a melhor solu??o, e que a Administra??o P?blica siga em frente na apura??o da pr?tica de cart?is, buscando alternativas para dar maior celeridade e seguran?a jur?dica para suas decis?es, para que, somente ap?s v?rias e pesadas condena?es, confirmadas pelo Judici?rio, o acusado passe a entender vantajosa a celebra??o de acordo, ainda que lhe seja exigido o reconhecimento de participa??o na pr?tica investigada e a colabora??o nas investiga?es.


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