- Sábado 04 de Maio de 2024
  acesse abaixo +
   Notícias +


Em favor do capitalismo, um outro capitalismo Por John Lloyd | Do Financial Times

08/03/2013



Mulgan: não se trata de socialismo, mas de um capitalismo em que o poder do mercado é submetido a fins sociais

Em termos políticos, os anos transcorridos desde a crise financeira pertenceram à centro-direita. Mesmo a rara vitória socialista na França foi logo seguida por uma moderação da retórica eleitoral. Grandes pontos de vista sobre algum modelo alternativo não encontraram eco, mas é possível ver uma multiplicação de ideias úteis sobre reformas. Na raiz dessas propostas está a admissão de que a "mão invisível" de Adam Smith é capaz de colocar muito no bolso dos acionistas e, em especial, dos altos executivos, mas bem pouco no dos trabalhadores, do público e do governo; e que a ambição louvada por Smith como motor de impulso aos valores sociais é, muitas vezes, apenas o que parece ser.

"The Locust and the Bee", de Geoff Mulgan, traz importante contribuição para a discussão do assunto. Mesmo quando era diretor de políticas de Tony Blair, Mulgan ponderava que não havia motivos para o capitalismo ser visto como o fim da história econômica. Agora, liberado há alguns anos das inibições do governo e atualmente diretor da fundação britânica National Endowment for Science, Technology and the Arts (Nesta), conseguiu traçar um esboço de possibilidades, nas palavras de Marx, para "relações de produção novas e mais elevadas". O objetivo não é o socialismo; Mulgan, marxista na juventude, já trocou de pele. Seu novo livro argumenta a favor de um capitalismo em que o poder do mercado é submetido a fins sociais.

As mudanças seriam radicais, ainda mais porque o capitalismo - "um vasto sistema de extração e pressão, de coisas em perpétuo movimento" - está tanto fora como dentro de nós, o que dá à sua forma atual uma aura de inevitabilidade. Ainda assim, na cúpula das corporações financeiras, o capitalismo está cada vez mais divorciado da economia real. Deixado sozinho, acredita Mulgan, teria sido destruído há muito tempo. O fato de isso não ter acontecido é explicado pelas intervenções que se seguiram às quebras e depressões dos anos 20 e 30, que criaram Estados de bem-estar social e vários ajustes entre capital, trabalho e governo.

Para Mulgan, o capitalismo precisa, e pode, ser algo civilizado. Primeiro, é preciso aceitar que o valor monetário não é um fim por si só, mas um meio para uma vida de cooperação, felicidade, amizade e amor. Ele acredita que "estamos testemunhando a emergência de uma economia assentada mais em relacionamentos do que em commodities; em fazer do que em ter; em preservar do que em produzir". Em um longo capítulo, ele estabelece como podemos "recompensar essas partes do capitalismo que recompensam a sociabilidade", assegurando, por meio da intervenção do Estado e da sociedade civil, um equilíbrio que o sistema não pode atingir por conta própria.

Mulgan se deixa levar por exageros em alguns momentos. Há ecos no livro da distinção feita pelo líder do Partido Trabalhista britânico, Ed Miliband, entre capitalismo "predatório" e capitalismo "produtivo", em discurso de 2011 - diferenciação que, na prática, é difícil de fazer. Ele escreve que "não há razão objetiva" para uma casa em Nova York valer US$ 10 milhões, algo que só se imagina verdadeiro porque "outros estão dispostos a acreditar". Esse valor, no entanto, é baseado no desejo generalizado de possuir essa casa; se o valor não fosse determinado pelo dinheiro, teria de ser por algum decreto autoritário ou pelo uso de força privada baseada na ameaça de violência.

Alguns poucos excessos não enfraquecem este livro generoso. Enquanto a social-democracia está às voltas com o declínio de suas bases - um Estado social bem financiado e poderoso, com sindicatos moderados e políticas econômicas keynesianas previsíveis -, aqui há sinalizações de como se poderia progredir.

O foco de Colin Mayer em "Firm Commitment" é mais centralizado - na corporação empresarial, que ele vê como uma criação notável, mas que deixou de ser um "servidor" para se transformar (com a influência dos governos) em um monstro. "Não é exagero dizer", escreve, "que, por sua negligência, incompetência, ambição ou fraude, as corporações são uma ameaça a nosso meio de vida e ao mundo em que vivemos". E isso vem de um fundador, ex-reitor e hoje professor de estudos de administração da Saïd Business School, de Oxford.

O principal alvo da lúcida análise de Mayer é o curto-prazismo que se acoplou - especialmente - ao comportamento empresarial britânico, graças a regras que dão aos acionistas, sejam os de longo prazo ou os que ficam com os papéis por apenas três dias, os mesmos direitos. Isso, para Mayer é como "se estivéssemos conferindo direito de voto a membros da população que pretendessem renunciar a sua cidadania amanhã". É também um sistema em que aquisições hostis podem facilmente destruir postos de trabalho, mercados e a ética em companhias há muito tempo estabelecidas - como ele descreve no caso da Cadbury, uma empresa fundada por protestantes quakers, comprada pelo conglomerado americano Kraft. Os atuais esforços para corrigir isso não funcionam: as regras existem para serem dribladas, enquanto a responsabilidade social das empresas são um curativo numa ferida gangrenada.

Seu principal antídoto é a "firma confiável", que opera de acordo com três princípios. Primeiro, precisa tornar públicos seus valores e que estes sejam compartilhados por funcionários, clientes e acionistas. Segundo, esses valores são confiados a um conselho ("trustees") que não administra a empresa, mas age em nome dos acionistas. Terceiro, os acionistas de longo prazo devem estar no controle e ter privilégios, por meio da alocação de ações com direito a voto, que seriam negadas aos investidores de curto prazo interessados apenas em lucros rápidos.

Mayer também, por vezes, pode mostrar-se um pouco sonhador: na Alemanha longo-prazista, a Krupp fez várias ofertas hostis, entre as quais uma bem-sucedida pela Hoesch, em 1991, e outra que não foi adiante pela Thyssen, em 1997, embora posteriormente tenha sido alcançado um acordo de fusão. Ele menciona isso; mais recentemente, porém, a ThyssenKrupp, em parte controlada por uma fundação com poder para vetar as decisões da diretoria, foi multada em € 103 milhões por uma autoridade antitruste da Alemanha, por fazer parte de um cartel que buscava manter elevados os preços de trilhos ferroviários. Os horizontes de longo prazo nem sempre estão livres de nuvens e trovoadas.

Mayer, no entanto, não vê apenas uma forma de organizar a economia. Parte de sua explicação para o maior dinamismo dos Estados Unidos é a combinação de modelos. Até sua variante de composição acionária diversificada às vezes é vista como funcionando bem. Mas na prática, e como princípio de aplicação universal, argumenta Mayer, isso está destruindo nossa economia e nossa moralidade empresarial. Apenas com a redescoberta de valores vitorianos de parcimônia e comprometimento é que a instituição central do capitalismo - a corporação - poderá ser salva.

"The Locust and the Bee - Predators and Creators in Capitalism's Future"

Geoff Mulgan. Editora: Princeton Univ. Press. 344 págs., US$ 29,95

"Firm Commitment - Why the Corporation is Failing Us and How to Restore Trust in It"

Colin Mayer. Editora: Oxford Univ. Press. 320 págs., US$ 29,99

© 2000 – 2012. Todos os direitos reservados ao Valor Econômico S.A. . Verifique nossos Termos de Uso em http://www.valor.com.br/termos-de-uso. Este material não pode ser publicado, reescrito, redistribuído ou transmitido por broadcast sem autorização do Valor Econômico.

Leia mais em: www.valor.com.br


<<Voltar << Anterior


Indique esta notícia
Seu nome:
Seu e-mail:
Nome Amigo:
E-mail Amigo:
 
  publicidade +
" target="_blank" rel="noopener noreferrer">
 

Associtrus - Todos os direitos reservados ©2023

Desenvolvido pela Williarts Internet
Acessos do dia: 809
Total: 3.931.676