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Ministério público entra com ação contra cartel do cimento

04/04/2014

Por Juliano Basile | De Brasília

As punições às empresas envolvidas no caso conhecido como "cartel do cimento" podem ultrapassar os R$ 3,1 bilhões em multas propostas pela maioria dos integrantes do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), pois o Ministério Público Federal está entrando com ações de reparação e apenas numa delas, que foi proposta no Rio Grande do Norte, pede pena de R$ 5,6 bilhões. Somados os valores das multas do Cade com o da ação do MPF resultam em R$ 8,7 bilhões.

Procuradores de outros estados também receberam arquivos, cópias de emails, de faxes e de agendas de diretores das empresas que podem levar à abertura de novos pedidos de ressarcimento na Justiça. Os documentos obtidos pelo Valor PRO, o serviço de notícias em tempo real do Valor, junto ao MPF mostram que as empresas que são rés no Cade fizeram acordos em âmbito nacional e regional para fixar preços, níveis de produção, dividir clientes, impedir a entrada de concorrentes e comprar companhias menores que ameaçavam furar o bloqueio imposto pelo grupo. Esses arquivos foram utilizados pelos procuradores para pedir reparação bilionária à Votorantim, Cimpor, Holcim, Camargo Corrêa, Itabira, Itambé, às associações de empresas de serviços de concretagem (Abesc), de cimento Portland (ABCP) e ao Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (Snic).

Os R$ 5,6 bilhões de indenização foram calculados a partir de uma estimativa feita pela antiga Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça, que investigou as denúncias de cartel no setor entre 1997 e 2011. Usando dados do IBGE, do Snic e da FGV, a SDE verificou a diferença entre o valor do consumo de cimento no país com e sem o cartel. Em 2006, a primeira conta ficou em R$ 12,2 bilhões e a segunda bateu em R$ 11,1 bilhões. A diferença, naquele ano, foi, portanto, de R$ 1,1 bilhão. Ao fazer essa conta em cinco anos, entre 2002 e 2006, o MPF chegou aos R$ 5,6 bilhões. Caso a Justiça aceite o pedido de reparação, o valor seria pago pelas empresas e, depois, revertido ao Ministério da Justiça, que repassaria a quantia a projetos em defesa dos consumidores, do meio ambiente e do patrimônio história e cultural do país.

Os documentos em posse do MPF mostram que o cartel durou, no mínimo, entre 1997 e 2007, ano em que foi feita operação de busca e apreensão pela Polícia Federal na sede das empresas. Em várias mensagens, as empresas foram identificadas por siglas: V para Votorantim, H para Holcim, CC para Camargo Corrêa, Ci para Cimpor, CI para Cimento Itambé e S para João Santos (Itabira). Há informações de que os diretores das empresas se reuniam com frequência, em hotéis, e costumavam fazê-lo em cidades diversas de modo a não chamar a atenção das autoridades antitruste que perseguiam o cartel. Emails mostram que as aquisições de cimenteiras de menor porte foram realizadas em comum acordo por empresas que deveriam concorrer entre si. Diretores definiram estratégias para apresentar esses negócios ao Cade de modo a evitar pistas de que combinaram antes quem deveria comprar quem.

Num documento apreendido na sede da Itabira intitulado "visão comum", há o estabelecimento de regras de preços e de participações de mercado. "Preços serão acordados entre as partes de forma temporal, visando compatibilizar a maximização do resultado e evitar a entrada de novos 'players'."

Em outro email, um diretor da Votorantim pergunta a dois altos funcionários da empresa com quem deveria conversar na Cimpor sobre a fixação de preços pela concorrente. "Tem alguém com quem eu possa falar sobre o sistema de precificação da Cimpor?"

Num fax apreendido na sede da Itabira, há a queixa de que a Lafarge não seguiu um aumento nos preços, como teria sido combinado. "Campeão (marca de cimento da Lafarge) ofereceu cimento hoje em Barra do São Francisco a 5,75. Nosso preço hoje é de 6,00. Acredito que não estejam sabendo do aumento."

Outro fax da Itabira reclama que a Camargo estaria com preços abaixo da tabela fixada pelo grupo na Bahia. "Cauê (marca da Camargo) continua vendendo na Bahia e está aumentando sua participação no mercado. Nossa preocupação é que estão com preços muito abaixo da tabela."

O documento "visão comum" estabeleceu a troca de ativos entre concreteiras para reequilibrar as participações de mercado das empresas no mesmo nível que elas tinham nas cimenteiras. "As partes concordam em construir uma participação de mercado da mesma ordem de grandeza que seu MS (market share) em cimento nas suas respectivas regiões. Em princípio, essa participação será feita via aquisições."

Um ex-funcionário deu o nome de hotéis em que os diretores se reuniam para combinar preços e dividir o mercado

Um email apreendido na sede da Cimpor mostra como essa troca de ativos aconteceu na prática. Há a proposta para a Cimpor sair de Bauru e a Holcim de Marília, no interior de São Paulo. Há também relatos de trocas de ativos em São Vicente, que ficaria com a Cimpor, enquanto Sorocaba e Campinas restariam com a Holcim. Em seguida, há um email em que a Holcim se mostra preocupada com o Cade, pois foi advertida por advogados de que teria que notificar essas operações ao órgão, o que não teria sido feito até então. A matriz da Holcim se diz surpresa com a condenação pelo Cade do cartel das britas (pedras utilizadas na construção civil), em 2005, e teme sofrer o mesmo.

Já um diretor jurídico da Lafarge ironiza as preocupações do Cade. "O Cade sempre pergunta porque não entramos no mercado mais interessante", diz ele, referindo-se a São Paulo. "Em outras palavras, porque V (indicando Votorantim) permanece intocada", completa.

Num depoimento, um ex-funcionário da Votorantim contou que, quando a empresa ultrapassava o percentual acordado sobre a produção, era necessário inventar algum problema na fábrica para que, com isso, ela seguisse a margem que foi acordada com outras empresas. Segundo essa alegação, a empresa teria concordado até em falsificar panes em suas máquinas para manter os termos que negociou com quem, na verdade, deveria competir.

Esse mesmo ex-funcionário deu o nome de hotéis em que diretores das companhias se encontravam para combinar preços e dividir o mercado. Com base nessa lista, autoridades antitruste do governo encontraram provas nas agendas e em emails obtidos na sede da Votorantim, Holcim, Lafarge, Camargo Corrêa e Cimpor de que eles não apenas se encontravam com frequência, mas que trocavam várias informações sobre o mercado, estabelecendo regiões em que cada um deveria lucrar. Uma planilha obtida na sede da Holcim reforçou essa acusação, pois contém dados de produção de concorrentes.

Um arquivo com o curioso nome de "jantar com muita gente sem chocolate" mostrou a estratégia do grupo de empresas formado por Votorantim, Lafarge, Cimpor, Camargo Corrêa e Holcim para comprar a Cimentos Davi, que estava crescendo e ganhando mercado. As empresas discutiram a possibilidade de a Votorantim entrar no negócio, mas apontam que isso "não é ideal". "O bom seria a constituição de uma empresa 100% administrada pela Lafarge. H (indicativo de Holcim) seria acionista preferencialista com dividendos fixos anuais que poderiam ser pagos 'in natura'. Independentemente da opção adotada, a história deve ser muito bem contada, com boas justificativas." Ao fim conclui-se pela aquisição através da Lafarge "em nome de todos" e sugere-se "usar notícias de jornal" para explicar o negócio. De fato, a Davi foi adquirida, em 2006, por R$ 100 milhões.

As empresas também agiram para impedir que a mexicana Cemex, uma gigante do setor, comprasse a Cimentos Ribeirão Grande. A Votorantim foi destacada para a missão e, de fato, fez a aquisição, em novembro de 2006, por R$ 425 milhões.

Sucessão de arquivos mostra que Votorantim, Camargo e Itabira atuaram para combater novas entrantes

O grupo atuou ainda para bloquear a entrada da CSN no mercado de cimento, outra concorrente de grande porte. O documento do "jantar sem chocolate" revela que as empresas se preocupavam com aumentos de preços capazes de incentivar a entrada da CSN, caso essa empresa baixasse os valores. Elas chegaram a fixar um preço máximo de R$ 170,00 no setor, um cálculo para barrar a concorrente. De fato, a CSN só entrou no mercado em 2009, mesmo tendo demonstrado a intenção de fazê-lo desde 2005. Há ainda a menção de uma proposta à CSN para que, se entrasse no mercado, o fizesse no mesmo nível de ociosidade das outras empresas e a indicação de que a companhia teria se negado a fazê-lo.

Uma sucessão de arquivos mostra que a Votorantim, a Camargo e a Itabira atuaram com vigor para combater novas entrantes de menor porte, mas pouparam-se mutuamente.

O MPF obteve cópia de um "Código de Ética" das concreteiras com o objetivo de estabelecer a "prática do preço justo", além de "respeitar e preservar os mercados, evitando o conflito entre as empresas". Uma carta enviada a clientes das concreteiras, em 2001, informou um reajuste de 7,5%, numa tentativa de equalizar os preços no mercado.

Essas provas de cartel foram encaminhadas pelo MPF à Justiça, em 2012. Ainda não houve decisão. Boa parte dos documentos partiu da SDE de onde foram encaminhados ao Cade, onde estão protegidos por sigilo, razão pela qual o órgão antitruste se nega veementemente a comentá-los.

A InterCement, empresa da Camargo Corrêa com ativos da Cimpor, disse ter "convicção de que não cometeu prática irregular". "A InterCement reafirma a lisura de suas operações e lamenta também que documentos e citações de terceiros tenham sido utilizados de forma parcial para comprovar envolvimento não procedente e espera que os devidos processos legais nas instâncias cabíveis sejam restabelecidos e sua inocência reconhecida." Já a Holcim aguardará a decisão final do Cade e "avaliará, criteriosamente, o resultado do julgamento para endereçar o tema de acordo com suas políticas internas e estratégias corporativas". A Votorantim e o Snic preferiram não comentar.


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