Os contratos e a justiça.

26/05/2008

Em artigo publicado recentemente no Valor Econômico e reproduzido no site da Associtrus, o professor Décio Zylbersztajn da USP, fundador do PENSA, faz importantes considerações sobre as relações nos sistemas agroindustriais.

Segundo ele, cooperação e conflito estão sempre presentes nas relações entre os elos da cadeia produtiva e, quando não se desenvolvem mecanismos para incentivar cooperação, os conflitos se potencializam. Um dos exemplos citados é o da citricultura sobre a qual ele comenta: “A entidade de representação da indústria agiu cartesianamente informando que fará cumprir estritamente os contratos estabelecidos, fechando portas para negociação. Tal postura ignora que se, por um lado os contratos existem para serem obedecidos, por outro lado estabelecem uma relação de negociação continuada. Se a justiça for chamada a resolver o conflito, nem sempre sua decisão agradará as partes litigantes.”

Mais adiante, ao comentar sobre a importância dos contratos nas transações mais complexas e que envolvem investimentos de longo prazo, Zylbersztajn lembra que o papel do contrato é estabelecer as regras iniciais, que colocam as transações em movimento; o contrato sinaliza a intenção de cooperação para produzir e a gestão dos contratos não deve ser de alçada exclusiva dos praticantes do direito, que, no Brasil, não são formados no sentido de prevenção do litígio.

Ele sugere inclusive a criação de uma legislação específica, como existe em alguns países, para amparar as relações contratuais agroindustriais.

Essa visão sobre os contratos é muito importante para se contrapor ao entendimento de alguns juízes que não entendem a natureza estratégica do contrato e que comungam com a posição cartesiana da indústria de que os contratos devem ser cumpridos. É bom lembrar aqui que, devido às assimetrias do agronegócio, o cumprimento do contrato é uma obrigação unilateral, pois a indústria tem vários mecanismos para deixar de cumpri-lo retardando a colheita, obrigando o produtor a “solicitar uma revisão para baixo no preço

contratado”, interpretando maliciosamente cláusulas contratuais, etc.

Não podemos esquecer-nos da lentidão da justiça e da capacidade dos grandes escritórios de advocacia de retardar indefinidamente as decisões judiciais, como é o caso da busca e apreensão feita no caso da Operação Fanta que, neste mês de janeiro, completa dois anos, sem que os juízes encarregados do caso se manifestem. A protelação foi o argumento utilizado pelos defensores do restabelecimento de acordos em casos de cartel, ao qual nos opusemos, mas fomos surpreendidos pela medida provisória apresentada de maneira dissimulada por um deputado federal do PT demonstrando as

distorções do nosso sistema político. A notícia recente da suspensão das negociações dos acordos confirma o nosso ponto de vista sobre a inconveniência desse tipo de acordo e deveria reabrir a discussão sobre esse ponto no projeto de lei, em discussão na Câmara Federal, que reforma o sistema brasileiro de defesa da concorrência, relatado pelo Dep. Ciro Gomes.

Assim, apesar de os fundamentos do mercado de suco de laranja continuarem muito favoráveis e os preços do suco de laranja deverem manter-se em alta, os citricultores somente participarão desses ganhos se souberem aproveitar a conjuntura política para avançar na organização e no fortalecimento de nossa união.

 

Flávio Viegas

Presidente da Associtrus e da Câmara da Citricultura

Fonte: Espaço Citrícola - Nº33