Interesses setoriais orientam financiamento de campanha

22/08/2006
Lula recebe mais doações de grupos beneficiados pela atual política econômica Quadro difícil de imaginar há quatro anos, bancos e empreiteiras devem investir mais na reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) do que no candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin. A avaliação parte dos comandos das duas campanhas. Quase ninguém gosta de falar abertamente sobre o assunto -mais espinhoso depois do escândalo do mensalão. Mas o mapeamento feito pela Folha entre lideranças de importantes setores da economia revela que o pragmatismo continua orientando as decisões empresariais também na hora de doar e declarar (ou não) apoio a candidatos. Para atuar no jogo eleitoral, detentoras de concessões públicas até burlam a lei que as impede de fazer contribuições a campanhas. A expectativa de vitória de cada concorrente é um dos fatores que mais pesam na hora de pôr a mão no bolso. Mas é equivocada a idéia preconcebida de que o empresariado age em bloco. Pesos-pesados como o grupo Votorantin e a CSN tendem a privilegiar Alckmin, assim como o setor do agronegócio. Leia a seguir levantamento sobre as preferências eleitorais de alguns setores da economia. Parceiros históricos da arrecadação do PSDB, os bancos devem abastecer mais o caixa da campanha de Lula. As coordenações das duas campanhas admitem a tendência, estimulada pelos altos lucros do setor. A migração já pôde ser verificada nas doações para as direções partidárias. Em 2002, os bancos deram R$ 6,45 milhões para o PSDB paulista e nacional e R$ 520 mil para o PT nacional e paulista. Em 2004, já sob a gestão de Lula, o PT recebeu R$ 5,7 milhões. O PSDB ficou com pouco mais de um quinto desse valor, R$ 1,7 milhão. Construção civil Embalado pelo aumento das linhas de crédito para aquisição de imóveis, o setor tende a apostar suas fichas também no candidato do PT. As linhas de crédito para essas operações saltaram de R$ 2,2 bilhões, em 2003, para estimados R$ 9 bilhões em 2006. Com R$ 73 milhões, o setor foi o maior financiador das eleições municipais de 2004, segundo estudo da ONG Transparência Brasil. O setor criou neste ano uma associação, a UNC (União Nacional da Construção), pela qual leva aos candidatos os pleitos dos empreiteiros. Eles pedem R$ 51 bilhões anuais em investimentos do governo federal para os próximos anos. As entidades representativas dizem não ter preferências, mas, na comparação que fazem entre as gestões Lula e FHC, a do petista vai melhor. "O Fernando Henrique exagerou na dose de cuidar da política monetária", diz o presidente do Sinduscon (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo), João Cláudio Robusti. Siderurgia Beneficiado pelo alto crescimento da China e da Índia, e o conseqüente aumento de preços de seus produtos no mercado internacional, o setor de siderurgia e mineração deverá colaborar com as duas principais campanhas. Os petistas apostam que o desempenho do setor renderá generosas doações ao partido. Mas a Gerdau Açominas já se comprometeu a ajudar o PSDB e a CSN, de Benjamin Steinbruch, teria contribuído com Alckmin. Papel e celulose Organizado, o setor deverá fazer doações conforme faturamento de empresas e potencial do candidato, segundo expectativa do PT e PSDB. Mas haverá outras colaborações espontâneas, como as já feitas pela Votorantim a Alckmin. Segundo tucanos, a doação foi, até agora, equivalente à feita em 1998 para a reeleição de FHC. Calçados e têxteis Abalado pela política cambial e de juros, o setor têxtil poderá ter participação menor nessas eleições. Presidente da Coteminas, da Abit e filho do vice-presidente José Alencar, Josué Gomes diz que, "por pena", os candidatos deverão poupar a indústria têxtil neste ano. No setor calçadista do Rio Grande do Sul, o problema é basicamente o câmbio, mas não há preferências por candidaturas ou partidos. ""Isso nem chegou a ser discutido. Trabalhamos com qualquer governo. Mas é difícil alguém prometer um câmbio diferente", diz Ricardo Wirth, vice-presidente da Abicalçados (Associação Brasileira dos Calçados). Varejo Preocupado com uma trajetória de desaceleração nas vendas de bens duráveis e semi-duráveis, como móveis e eletrodomésticos e tecidos, vestuário e calçados, o comércio varejista tenderia a apoiar a candidatura de Alckmin. Mas Samuel Klein, das Casas Bahia, seria um dos maiores entusiastas de Lula. Telecomunicações Parte dos sócios da Telemar e Brasil Telecom vêem com simpatia a reeleição do presidente. Isso permitiria que fosse mantida a atual linha de gestão de negócios dos fundos de pensão ligados às estatais, donos de boa parte das duas companhias. Além disso, os integrantes do governo têm bom trânsito junto à Andrade Gutierrez, pois o presidente Lula mantém laços de amizade com o empreiteiro Sérgio Andrade. Outro sócio das duas teles, o Opportunity, vai na mão contrária. O banqueiro Daniel Dantas, que diz ser perseguido por parte dos petistas, declarou voto em Alckmin. No caso da Telefônica, há clara insatisfação com o governo. Nos bastidores, os espanhóis consideram que o PT e o PMDB, com poder no Ministério das Comunicações, estão próximos às redes de televisão. A preferência é por Alckmin. Montadoras Os fabricantes alegam que há restrições legais em seus países de origem para contribuições de campanha. Prometem apoiar os candidatos com o fornecimento de carros para a disputa por intermédio das concessionárias, o que costuma acontecer só na reta final. Usineiros Segundo o presidente da Unica (União da Agroindústria Canavieira), Eduardo Pereira de Carvalho, o setor, que passa por "um momento excepcional", contribuirá na eleição. Em São Paulo, diz, Alckmin adotou medidas importantes, como a redução da alíquota do ICMS sobre o álcool hidratado. Mas Lula é "o maior garoto-propaganda do setor". Agronegócio O setor do agronegócio talvez seja um dos mais hostis a Lula. O vice-presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária, Macel Félix Caixeta, filiado ao PSDB, considera que a política do governo Lula para o setor foi um "desastre total". "A agricultura está numa situação de insolvência", afirma. Em Mato Grosso, maior produtor de soja do Brasil, a maioria dos fazendeiros apóia a candidatura de Alckmin, segundo lideranças da categoria. "O Lula tinha que cumprir mais os compromissos. Da outra vez, o Blairo [Maggi] apoiou o Lula. A gente até foi na balada junto. Só que ele está falhando com os produtores", diz o vice-presidente da Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso, Nadir Sucolotti. Já a indústria do suco de laranja está entre os potenciais doadores do PT. O setor tem interesses em decisões do Cade e se relaciona mal com o PSDB desde a desapropriação de um terreno da Cutrale no governo Mario Covas. (Crédito: Catia Seabra - Rubens Valente - Colaboraram Malu Delgado, da Reportagem Local, e a Agência Folha)