Verdades inconvenientes a respeito da citricultura brasileira

27/10/2009

Por Flávio Viegas:

 

Em matéria publicada, hoje, 27 de outubro de 2009, intitulada Mitos e desafios da citricultura brasileira, o jovem presidente da CitrusBR  demonstra desconhecer uma parte importante da nossa história.

Em primeiro lugar, o que se conhece da nossa citricultura é resultado de um trabalho recente de reorganização dos citricultores, cansados da falta de transparência e das manipulações do setor industrial, que está sendo investigado por cartelização.

Não há como negar a pujança e a importância deste negócio para o Brasil, porém, distorcendo os fatos, a indústria quer-se apossar de um feito que resultou do trabalho de milhares de citricultores, que hoje são rotulados de incompetentes. Foi com esses citricultores que a indústria de suco de laranja começou no Brasil nos anos 60 e, em meados dos anos 80, já ultrapassava a citricultura da Flórida, até então líder do setor.

A citricultura, baseada em pequenos e médios citricultores, floresceu em mais de 300 municípios do estado de São Paulo, interiorizando e distribuindo renda e empregos,  criando a “Califórnia” brasileira da qual a cidade de Bebedouro se tornou um exemplo, pelo desenvolvimento do ensino e pesquisa, através da Estação Experimental de Citricultura, criada pela iniciativa dos citricultores. A Coopercitrus, cooperativa agrícola das mais importantes do país e a Credicitrus, maior cooperativa de crédito rural da América Latina, são exemplos eloqüentes dessa fase da citricultura.

A distribuição da renda gerada pelo setor era assegurada pela Frutesp, indústria de suco controlada pelos citricultores. No início da década de 90, as indústrias, que estavam sendo objeto de investigação pelo CADE, organizaram uma ação desestabilizadora contra a empresa, oferecendo aos citricultores da Frutesp preços muito superiores aos que elas mesmas praticavam à época e atacaram agressivamente seus clientes. Em decorrência dessa ação, a Frutesp teve importantes prejuízos e foi vendida para um de seus concorrentes. Os preços da laranja que haviam atingido até US$10, foram reduzidos para US$1,5 ou menos.

Em 94, as empresas assinam um Termo de Ajuste de Conduta com o CADE, comprometendo-se a não combinar preços, não dividir produtores, entre outras práticas, mas ao mesmo tempo o CADE proíbe o Contrato Padrão, uma importante conquista dos citricultores, que assegurava uma correspondência entre o preço do suco e o da laranja.

Como retaliação, as indústrias repassaram aos citricultores, sem nenhuma compensação, o ônus da colheita e frete, enquanto mantinham as práticas condenadas pelo CADE, conforme os documentos entregues à SDE e que serviram de base para a Operação Fanta, em janeiro de 2006, na qual cinco juízes federais autorizaram busca e apreensão nas empresas, casa de diretor, e na sede da associação das empresas. Importantes documentos e até metralhadoras foram apreendidos. Inicia-se um processo de negociação, inicialmente entre a Associtrus e a Cutrale que, logo a seguir, foi assumido pelo Senador Mercadante, então candidato ao governo do estado. Depois de mais de dez reuniões, fomos surpreendidos com a informação de que o CADE iria aprovar um acordo pelo qual a indústria faria uma “contribuição” de R$ 100 milhões e, em contrapartida, receberia os documentos apreendidos, ainda lacrados  e o processo seria encerrado. Graças à intervenção do promotor público que atua junto ao CADE, o acordo foi inviabilizado, porém parte dos documentos ainda não foi liberada para  análise e o SDE desenvolve as investigações num ritmo extremamente lento e elas não têm recebido da mídia a cobertura correspondente à sua importância.

Os citricultores sabem que a atuação da indústria não se alterou, apesar das investigações, e que elas atuam como se tivessem a certeza da impunidade conferida pelas suas relações políticas e pelo seu poder econômico.

Uma justificativa da política dirigida à concentração do setor pela exclusão dos pequenos e médios produtores foi publicada, em março de 2003, em editorial da Abecitrus e confirmada em entrevistas. O fato é que, desde meados da década de 90, mais de 20 mil citricultores foram expulsos do setor e a indústria, financiada pelos baixos preços pagos aos citricultores e pelo BNDES, plantou desde então cerca de 90 milhões de árvores, verticalizando a produção e aumentando seus poder de intervir no mercado.

Hoje essa indústria, com suas alianças estratégicas com as grandes engarrafadoras (Coca Cola, Pepsi Cola e outras), controla 50% da fruta processada na Flórida.

É importante notar que na Flórida essa indústria não controla a produção de laranja como faz aqui e que os citricultores de lá têm tido um tratamento totalmente diferente. Apesar da crise e do fato de 85%  dos estoques mundiais de suco estarem nos EUA, os citricultores de lá estão recebendo preços remuneradores, acima de US$9 por caixa e muito acima dos preços da Bolsa de NY, que, inexplicavelmente, vem sendo mantida a níveis muito inferiores aos custos de produção, o que nos leva a perguntar quem são os vendedores de suco tão barato! Outra anomalia apresentada pela Bolsa é que o preço do suco ali comercializado vem caindo, enquanto o suco ao consumidor vem subindo, nos últimos 15 anos.

Mais de 70% do suco de laranja brasileiro é exportado para a Europa e verifica-se que há uma diferença média de US$660 milhões entre os valores registrados no embarque em Santos e os valores do mesmo produto na Europa. O suco de laranja não concentrado, por exemplo, foi embarcado em Santos a US$300, em média, enquanto o seu valor de mercado estava na faixa de US$500 a US$800.

Embora a indústria queira dar a impressão de que o que ocorre no Brasil, no setor da citricultura, é uma decorrência das forças de mercado, nós afirmamos que a concentração, a verticalização e a eventual cartelização deste setor distorcem brutalmente este mercado e estão destruindo um setor competente e dinâmico da nossa economia.

  

Flávio de Carvalho Pinto Viegas

 

Presidente da Associtrus

Presidente da Camara Setorial da Cadeia Produtiva da Citricultura MAPA

Diretor do DEAGRO  FIESP

Membro do COSAG FIESP

Ex diretor da SRB

Ex Diretor da FRUTESP

 

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