Gigantes do suco de laranja do Brasil espremem os pequenos agricultores

01/12/2010
* Citricultores dizem que o cartel quer excluí-los do negócio.

* Duass das quatro empresas, Citrovita e Citrosuco planejam fusão.

* A indústria diz que a concorrência, não o cartel, afeta o pequeno produtor.

Por Peter Murphy

BRASÍLIA, 23 de novembro (Reuters) - Após 40 anos produzindo citros em Bebedouro, uma cidade apelidada de capital da laranja do Brasil, o fazendeiro Laerte de Souza Barbaro erradicou, no ano passado, 80.000 árvores e replantou toda a sua propriedade de 200 hectares com cana-de-açúcar.

Milhares de outros agricultores fizeram o mesmo. Atolado em dívidas, labutando para produzir cerca de metade do mundo de suco de laranja concentrado, os agricultores no Brasil alegam que o cartel da indústria de suco vem derrubando os preços e excluindo-os do negócio.

"Eu deixei o setor agora graças a Deus. Eu deveria ter saído há muito tempo", disse Barbaro. Os maiores clientes da indústria de suco do Brasil de 2 bilhões dólares incluem Coca-Cola/Minute Maid e marca PepsiCo Inc's /Tropicana.

Planos de fusão pela Citrosuco e Citrovita, duas das quatro empresas locais de suco restantes , seria deixar 80 por cento do abastecimento mundial de suco de laranja concentrado mundial nas mãos de três empresas. Produtores do Brasil temem que isto pode espremê-los ainda mais.

" Haviam dezenas de (processadores de suco). Os citricultores têm pouca escolha para quem vender os seus produtos e é aí que começa o problema", disse Marcos Conforto, um advogado que representa os produtores lesados.

Associtrus, representante dos produtores de laranja, estima que mais de 20 mil agricultores abandonaram citros devido à falta de lucratividade. A indústria, que esmaga as frutas e produz o suco, vem ampliando a produção própria de laranjas.

Quatro empresas que dominam a indústria de US$ 2bilhões: a empresa familiar Cutrale, a maior; Votorantim-Citrovita, Citrosuco-Grupo Fischer e Louis Dreyfus Citrus da França.

Citrovita e Citrosuco anunciaram em maio que se fundirão, um negócio que precisa da aprovação do Cade, orgão regulador da concorrência.

A mesma autoridade julgará uma investigação criminal sobre a fixação de preços através de um cartel da indústria. O resultado poderia impedir os reguladores de aprovar a fusão, se forem encontrados indícios de concertação de antemão.

A indústria nega que exista um cartel ou fixação de preços.

"Nós estamos dizendo que não há cartel. É fácil ir dizendo que há uma vez que é um sector com apenas algumas poucas empresas, apenas quatro", disse Carlos Viacava, diretor corporativo da Cutrale, maior produtora mundial de suco de laranja.

Ele disse que um mais variado e competitivo mercado de bebidas precisava de mais eficiência para sobreviver, algo que só os agricultores com grandes plantações poderiam alcançar, e foi essa racionalização que excluiu o pequeno produtor.

"Existe uma concorrência é acirrada entre as empresas (quatro)," Viacava, disse à Reuters, acrescentando que a atividade ainda era lucrativa para os maiores, mais eficientes produtores.

A industria exporta de cerca de 1,3 milhões de toneladas de suco concentrado e congelado de laranja, por ano, com uma receita variável de cerca de US $ 2 bilhões. A Europa compra cerca de 80 por cento das exportações de FCOJ do Brasil.

A indústria no mês passado apresentou um elaborado estudo, "Um retrato da citricultura brasileira", produzido por um grupo de acadêmicos da Universidade de São Paulo. Os estudo detalha custos da indústria, preços de exportação e os preços pagos na porteira da fazenda.

Ele mostrou que as propriedades com mais de 400.000 árvores já representam quase 40 por cento do total de árvores do parque citricola em 2009, contra apenas 16 por cento em 2001. O número de produtores com menos de 50.000 árvores estava em declínio. (Gráfico: http://r.reuters.com/kum66q)

o aumento de eficiência não está tornando o suco de laranja mais barato, mas a indústria diz que a mudança para plantações maiores, ajudou a manter os custos controlados e impediu que o suco de laranja perdesse a competitividade. "É uma questão de sobrevivência. O setor enfrenta um grande desafio, de reduzir seus custos de produção. É um dilema existencial", diz Christian Lohbauer, porta-voz da CitrusBR, a associação que representa as industrias.

PRODUTORES PELADOS?

Produtores, cuja causa é liderado por sua associação representativa, Associtrus, aponta para os depoimentos de dois ex-executivos da indústria que se apresentaram às autoridades e admitiram ter participado de encontros secretos entre empresas para fraudar o mercado.

O cartel "trouxe um rápido declínio. O dano que ele provocou foi muito pior do que esperávamos. Se continuar assim, não haverá futuro para a laranja (no Brasil)", disse Paulo Ricardo, um ex-comprador de laranja para a Louis Dreyfus Citrus .

Ricardo irá beneficiar de uma acordo de leniencia concedido pelo sistema de justiciário ao envolvido no cartel que primeiro apresentar provas que permitam avançar nas investigações.

Ele disse que as empresas dividiam os extensos pomares de laranja do estado de São Paulo, principal produtor, em zonas de compra exclusiva, com penas severas para os compradores que crdesrespeitassem o acordo.

Outra testemunha, Tofini Dino, ex-presidente da CTM Citrus, descreveu em um jornal brasileiro este ano, como qualquer empresa que quebrasse o pacto do cartel seria punida pelos outros que pagariam "um absurdo" para deixá-la sem matéria prima.

Associtrus mostrou à Reuters uma cópia de um contrato datado de 1995, supostamente elaborado pela maior parte das produtoras de sucos existentes na época, que detalhava a fixação e atribuição de quotas de mercado para cada uma.

"Os meios e o preço de compra de frutas deve ser estabelecido ... Os participantes devem operar rigorosamente dentro do preço máximo fixado", estipulam duas "regras de compra" do contrato. Viacava Cutrale disse que não tinha conhecimento do contrato.

Em 2006, as autoridades realizaram buscas em escritórios das empresas de suco de laranja, chamada "Operação Fanta". Foram apreendidos grande quantidade de documentos que só agora começam a ser analisados depois que as empresas esgotaram as manobras legais destinadas a evitar que eles sejam abertos.

As alegações do cartel datam de há 15 anos, quando a indústria foi colocado sob vigilância por um período antes de ser considerado que operam regularmente. Mas os produtores insistiram que as empresas estavam em conluio, e apresentou uma denúncia em 1999, que ainda está sob investigação.

Liderados por Associtrus, os produtores planejam pedir uma indenização por prejuizos incorridos devido ao alegado cartel, que dizem, lhes custou bilhões ao longo dos anos. Dizem que o cartel tem sobrevivido todo esse tempo, devido à sua influência política e econômica. Palavras-chave: BRASIL FCOJ /

OU ESPREMIDOS?

A indústria, por anos impenetrável e avessa à publicidade, tem rebatido as acusações e procurado melhorar a sua imagem através da criação de uma nova associação da industria a CitrusBR.

O porta-voz CitrusBR, Christian Lohbauer, rejeita as acusações contra o setor como "uma enorme quantidade de mentiras".

"Quando você pergunta o outro lado para apresentar os números na mesa, eles não têm nenhum", disse Lohbauer, referindo-se a qualquer preço que pudesse comprovar a existência de um cartel.

Ele apontou para o estudo recentemente publicado sobre o setor, financiado pelas quatro empresas, que mostrou que, quando os preços de exportação estavam em torno de 2.000 dólares a tonelada, sobravam US$ 6,11, ou cerca de 10 reais, para cobrir os custos principais de ambos, produtores e indústria.

Os dados da indústria mostram que o custo médio de produção da caixa de 40,8 kg em grandes pomares, era, em 2009, R$7,26, excluindo os custos de colheita e transporte. Mas a Associtrus apresentou o custo de R$ 15,70 para uma fazenda de 100 hectares.

Este ano, os preços estão muito mais elevados e o valor que a indústria está pagando aos produtores subiu proporcionalmente.

Lohbauer disse que as empresas estão comprando fruta no mercado spot quase sem margem para competir e este ano, por vezes, exportaram com prejuízo.

"Se tivéssemos um cartel, nós pagaríamos R$ 3,50 em 2009 e R$15,00 em 2010? ... Pagaríamos R$ 3,50 todos os anos", disse Lohbauer.

Os preços spot atingiram, em alguns momentos, no ano passado, valor próximo de R$ 7,00 reais.

Os preços médios praticamente dobraram este ano no Brasil, como ocorreu na Flórida, onde as relações indústria-produtor são muito mais harmoniosas e onde três das quatro empresas brasileiras operam, com exceção da Citrovita.

Um gráfico comparando os preços do FCOJ na Bolsa de Nova York com o preço da caixa de laranja na porteira da fazenda mostra uma relativa coesão na direção de movimento, em particular nos ultimos 5 anos. (Gráfico: http://r.reuters.com/jum66q)

Durante anos, a Associtrus procurou constituir um comite produtor-indústria para definir os preços numa base consensual, como uma solução para o conflito. Depois de ignorar a idéia por anos, a indústria quer agora implantá-lo o mais rapidamente possível.

"Nós pensamos que eles querem usá-lo para terminar o inquérito e obter a aprovação da fusão Citrovita, Citrosuco, disse o chefe da Associtrus, Flávio Viegas.

Associtrus rejeitou a metodologia que a indústria propõe para a fixação de preços, dizendo que falta transparência. A indústria diz que se ela não pode trazer Associtrus a bordo, irá formar a comissão com outros grupos, que estão dispostos a aceitar a sua proposta.

Mas mesmo onde os grandes compradores estão ausentes, os produtores ainda reclamam preços mais baixos até mesmo em uma cooperativa de propriedade dos produtores que processa a fruta, de seus próprios membros, para a exportação no Estado do Paraná, próximo a São Paulo.

"Nós não pagamos o preço de São Paulo e não temos a sua eficiência. (Nosso preço) é menor", disse Peter Elshof, comprador da Cocamar, onde todos os lucros vão para o produtor.

A Cocamar tem sobrevivido ao lado de gigantes porque as laranjas do Paraná estão proibidas de entrar em São Paulo para conter a disseminação de doenças, mas seus produtores parecem enfrentar as mesmas perspectivas.

"Nós não podemos encontrar os agricultores interessados em crescer mais porque ele não é lucrativa no momento," Elshof disse.

(Edição de David Gregório)


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