Decisão da Justiça pode sepultar a caixa preta do cartel do suco de laranja de São Paulo

24/08/2006
Só no Brasil mesmo! Centenas de documentos que comprovam a prática de cartel no setor de suco de laranja, apreendidos pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) durante a Operação Fanta, em janeiro deste ano, poderão retornar às mãos dos criminosos (prática de cartel é crime. Vide transporte de veículos). Inacreditavelmente isso está para acontecer, caso o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), agora amparado por determinação da Justiça Federal de Brasília, assine o Termo de Cessação de Conduta com as indústrias do setor acusadas de formação de cartel. Caso o TCC seja efetivado, toda a documentação presa e atualmente conhecida como a caixa preta do setor, sob a guarda da SDE, deverá ser devolvida aos donos, sem que ninguém a tenha sequer olhado, quanto mais analisado. A Associação Brasileira dos Citricultores (Associtrus), que teve seu pedido de liminar negado pela Justiça Federal em Brasília, lamenta a decisão que pretendia impedir a assinatura do TCC entre o órgão que tem a missão constitucional de combater a formação de cartéis, com as indústrias de suco de laranja. Seis processos incluindo um inquérito policial federal poderão ser extintos e as práticas danosas à economia permanecerem intocáveis pelo governo e o poder Judiciário. O presidente da entidade, Flávio Viegas, além de não se conformar com a decisão, também acusa um grupo de quatro indústrias de ser favorecido pelos órgãos do governo em troca de financiamento de campanhas eleitorais. Também critica a forma como a mídia vem cobrindo “um importante caso que é, na verdade, um escândalo de enormes proporções envolvendo grandes empresas do país, o governo e pessoas importantes do Legislativo e do Judiciário”. Viegas recorda que “foi feita denúncia de atuação cartelizada das indústrias de suco de laranja à SDE. Provas foram encaminhadas à secretaria e tiveram como conseqüência a Operação Fanta, na qual cinco juízes federais autorizaram a busca e apreensão dos documentos das empresas denunciadas”. Os documentos arrecadados, segundo o presidente da Associtrus, até hoje não foram abertos por embargo das denunciadas”. Ele denuncia que “agora o Cade e a SDE estão dispostos a assinar um acordo com as empresas, pelo qual se comprometem a devolver os documentos apreendidos sem abri-los”. O presidente ressalta que a própria juíza que acatou a busca e apreensão manifestou-se da seguinte forma, ao ser informada do acordo pretendido: "Ora, de fato não se compreende como a Administração Pública, depois de vir pedir ao Judiciário com veementes argumentos em janeiro último, para que fosse autorizada a buscar e apreender documentos que poderiam comprovar a existência de cartel no ramo de suco de laranja concentrado, venha agora simplesmente abrir mão deles sem sequer tê-los examinado. Causa espanto que o agente público que num momento vem pedir o acesso a bens que podem constituir corpo de delito de condutas previstas na Lei Antitruste, seis meses depois simplesmente aceite devolvê-los aos investigados, dispondo indevidamente de interesses e direitos públicos e coletivos indisponíveis. ...Por outro lado, não bastasse a incoerência e imoralidade do procedimento, ao menos no caso particular dos documentos apreendidos na ação cautelar proc. 2006.61.20.000608-6, em trâmite nesta vara, é preciso alertar os réus que tal documentação não lhes pertence e, portanto, não podem dela assim dispor." Viegas também considera de “vital importância que a mídia investigasse e publicasse os fatos que envolvem esse importante caso. Quinze mil citricultores já foram expulsos do setor e, nos próximos anos outros dez mil serão expulsos e perderão seu patrimônio. Seis bilhões de dólares foram retirados dos citricultores nos últimos 15 anos! Quinze bilhões de dólares deixaram de entrar no país”, revela. O presidente da entidade denuncia ainda, que “os citricultores estão sendo manipulados para acreditarem que a proposta montada pela Faesp e pelo governo, sob a inspiração da indústria, é um excelente acordo. A indústria faz uma contribuição de US$ 100 milhões para que o SBDC suspenda as investigações e devolva os documentos apreendidos e o citricultor tem um bônus, para esta safra de US$ 0,50. Assim o seu prejuízo que era de R$ 7,30/cx passou a R$ 6,20/cx. Esse bônus será devolvido já na próxima safra, pois os citricultores têm sido compelidos a prorrogar seus contratos por dois ou mais anos, muitas vezes com preços inferiores aos US$ 4,00. Enquanto os preços do suco aumentaram 200% os citricultores recebem um bônus de 14% e apenas por uma safra. É preciso fazer justiça e recuperar este importante setor da economia paulista”, encerra Viegas. Nota – O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) distribuiu nota afirmando que a Justiça reconhece o poder do órgão para celebrar TCC com a indústria da laranja. De acordo com o material disponibilizado no site oficial do órgão, “a Associtrus ajuizou Mandado de Segurança Coletivo visando impedir o Cade de apreciar pedido de celebração de acordo processual formulado pelas empresas processadoras de suco de laranja investigadas pela prática de cartel. A decisão judicial reconhece a legalidade da celebração do acordo, preservando incólume à competência do Plenário do Cade - composto pelos sete conselheiros - de apreciar o caso concreto e decidir pela forma que lhe parecer melhor atender ao interesse público (celebrar ou não o acordo). Vale esclarecer mais uma vez que o Plenário do Cade somente decidirá sobre a proposta de acordo após analisar os pareceres da SDE, Procuradoria do Cade, Ministério Público Federal e conselheiro-relator, ainda não proferidos”. (Crédito: Anticartel.com)