Andr? Meloni Nassar

O censo nos diz que ? o segmento de m?dia propriedade que precisa de maior aten??o, n?o somente porque ? menos competitivo, mas porque ? muito importante.

Conforme citado no Estado, um bispo da Comiss?o Pastoral da Terra (CPT) declarou, em recente evento organizado pela entidade, que a CPT tem a inten??o de dar apoio a um plebiscito, a ser realizado ainda este ano, para avaliar o que a popula??o brasileira acha de se impor um limite ao tamanho das propriedades rurais no Pa?s.
 
Sem entrar no m?rito legal de uma decis?o dessa natureza, caso ela viesse a ser adotada como consequ?ncia do resultado desse plebiscito, vale a pena discutir as quest?es econ?micas que a ideia de restringir o tamanho das propriedades rurais suscita. O gancho que ela traz ? o seguinte: At? que ponto vale a pena analisar a efici?ncia e a competitividade dos sistemas produtivos agropecu?rios com base nos diferentes tamanhos de propriedade rural?

As pistas para entender essa quest?o est?o no Censo agropecu?rio de 2006. Diferentemente dos norte-americanos e europeus, que procuram estratificar tamanhos de propriedade de acordo com diferentes n?veis de renda, aqui no Brasil nos acostumamos com grupos de tamanho f?sico de propriedades (ou grupos de ?rea total, como definido pelo IBGE). Embora possamos adaptar o dado do censo para estratificar as propriedades com um crit?rio de renda, ? o crit?rio de tamanho que ? apresentado explicitamente nos resultados.

O censo de 2006 ? inequ?voco ao mostrar que, do ponto de vista de receita e margem bruta por hectare, as propriedades de menor e de maior porte - ou seja, aquelas nos grupos de ?rea total inferior e superior - apresentam melhor desempenho, ao passo que aquelas de porte m?dio mostram desempenho inferior. Assim, qualquer decis?o que viesse a limitar o tamanho das propriedades rurais no Brasil seria uma derrapada econ?mica t?o grande como se houvesse uma proposta de limitar propriedades de pequeno porte.

O censo agropecu?rio divide as propriedades (ou estabelecimentos, como ? definida a unidade produtiva pelo IBGE) em 18 grupos de ?rea total, come?ando com aquelas inferiores a 0,1 hectare (ha) e terminando naquelas superiores a 2.500 hectares. Dada a dificuldade de entender o que significa um estabelecimento com menos de 0,1 ha, optamos por agregar os grupos em 9 estratos: at? 10 ha; 10 a 20 ha; 20 a 50 ha; 50 a 100 ha; 100 a 200 ha; 200 a 500 ha; 500 a 1.000 ha; 1.000 a 2.500 ha; e acima de 2.500 ha (o primeiro estrato ? fruto da agrega??o de nove estratos e, os demais, originais do censo).

Para analisar o resultado de cada grupo, trabalhamos os dados de receita e despesa total por grupo e calculamos receita e despesa por ha, calculando primeiro receita e despesa m?dias por estabelecimento no grupo e, a partir do tamanho m?dio em cada grupo (2,68 ha, no grupo de at? 10 ha, e 4.129 ha, no grupo de acima de 2.500 ha, por exemplo), em segundo lugar, encontrando o indicador por hectare.

No caso da receita fizemos dois c?lculos: a receita m?dia por hectare em cada grupo a partir da receita total e da receita de produtos vegetais. Isso foi feito porque, como se sabe, a receita por hectare da pecu?ria extensiva de corte ? bem inferior ? receita das lavouras e tende a reduzir substancialmente a receita por hectare no grupo de ?rea maior quando a receita ? analisada pelo total.

Os resultados que encontramos s?o descritos a seguir. A receita total e a margem por hectare (a margem foi calculada pelo quociente da diferen?a entre receita e despesa sobre a receita) s?o mais altas no grupo de menor tamanho (at? 10 ha, R$ 3.800/ha de receita) e v?m caindo at? o grupo de 100 a 200 ha (R$ 666/ha). Fica constante nas propriedades entre 200 a 2.500 ha, na menor faixa de receita (ao redor de R$ 550/ha), e volta a subir no grupo de ?rea acima de 2.500 hectares (R$ 706/ha).

Fazendo o mesmo racioc?nio, mas avaliando apenas a receita oriunda dos produtos vegetais, a magnitude dos n?meros muda um pouco, mas a tend?ncia segue a mesma, ou seja, a receita vem caindo das propriedades de menor porte para as propriedades de porte m?dio e volta a subir nas propriedades de maior porte, demonstrando que, do ponto de vista de receita por hectare, as propriedades de porte m?dio s?o aquelas menos eficientes. Neste caso, no entanto, s?o as propriedades entre 50 e 1.000 hectares que mostram os n?veis mais baixos de receita.

As propriedades entre 50 e 2.500 hectares representam 16,4% do total de estabelecimentos rurais, 57% da ?rea total dos estabelecimentos e 42% do valor da produ??o total do setor agr?cola. J? as propriedades inferiores a 50 ha representam 78% do total de estabelecimentos, 13,4% da ?rea total dos estabelecimentos e 40% do valor da produ??o. Do outro lado, os estabelecimentos acima de 2.500 hectares s?o 0,3% do total de estabelecimentos, 30% da ?rea total e 17% do valor da produ??o.

Esses n?meros mostram que as propriedades que apresentam a menor efici?ncia, pelo menos em termos de receita por hectare, s?o aquelas mais importantes em ?rea e valor da produ??o.
Essa an?lise revela dois fatos. O primeiro ? que existe uma agropecu?ria de pequena escala e de valor agregado que foi capturada pelo censo agropecu?rio na elevada renda das propriedades inferiores a 10 hectares. O segundo ? que existe uma agropecu?ria que demanda mais terra e que apresenta economias de escala e, portanto, m?dulos maiores s?o necess?rios para garantir maior competitividade.

Essas agropecu?rias n?o se misturam, porque operam com produtos distintos e atuam em mercados diferentes. No entanto, entre elas existe uma agropecu?ria que, quando atua no mesmo segmento desse de elevada escala, tende a ser menos competitiva. O censo nos diz que ? o segmento de m?dia propriedade que precisa de maior aten??o, n?o somente porque ? menos competitivo, mas porque ? muito importante. Limitar o tamanho das propriedades, portanto, poder? at? agravar o problema.

DIRETOR GERAL DO INSTITUTO DE ESTUDOS DO COM?RCIO E NEGOCIA??ES INTERNACIONAIS.
E-MAIL: AMNASSAR@ICONEBRASIL.ORG.BR
Publicado em O Estado de S?o Paulo 21/4/2010