13/08/2010O presidente da Associa??o Brasileira de Citricultores (Associtrus), Fl?vio
Viegas, luta pelo fim da carteliza??o do setor
Fonte: Globo Rural
Por
Texto Luciana Franco | Foto Fernanda Bernardino
Viegas
defende para o Brasil o modelo de citricultura baseado em pequenos e m?dios
produtores que prevalece no mundo inteiro
Formado em engenharia mec?nica,
Fl?vio Viegas participou dos projetos de implanta??o das primeiras ind?strias de
suco de laranja do estado de S?o Paulo, nos anos 70, como funcion?rio do
Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital). Mais de tr?s d?cadas depois, se
mant?m na atividade como produtor e ? frente da Associtrus - ainda que
inconformado com a atual situa??o da citricultura no Brasil. "O poder pol?tico e
econ?mico das ind?strias de suco impede que as autoridades atuem", diz Viegas,
que h? mais de 20 anos trabalha em favor dos produtores - e contra o cartel que
se construiu no setor.
Globo Rural>>> A citricultura vive um
momento delicado. ? poss?vel saber quando come?ou a crise do setor?
Fl?vio
Viegas>>> Em 1993, a Frutesp Agroindustrial, empresa que balizava o
setor, foi comercializada. Neste momento come?a o processo de baixos pre?os na
citricultura. Na d?cada de 1980, a Frutesp prop?s uma coisa nova: n?o tinha
pre?o fixo para pagar ao produtor. Seus pre?os eram formados a partir do pre?o
m?dio do setor mais 50% do lucro. A coisa funcionava da seguinte maneira: no fim
do ano, calculava-se o pre?o m?dio da concorr?ncia e, do lucro da empresa, cerca
de 50% era distribu?do como pagamento do citricultor. Com isso, a empresa ficou
por muito tempo imbat?vel, a ponto de ter de ser negociada.
GR>>> Quantas empresas estavam no mercado naquela ?poca?
Viegas>>> Entre as grandes, seis: Cutrale, Citrosuco, Frutesp,
Cargill, Dreyfus e Citrovita, al?m de outras duas menores. O segmento estava em
expans?o, e haviam sido registradas geadas na Fl?rida. No in?cio da d?cada de
1990, a expectativa do mercado brasileiro era o Jap?o. Mas o pa?s entrou em
recess?o, e o mercado nacional se contraiu. Com isso, as empresas decidiram
mudar o sistema de remunera??o. Mas para acabar com isso era preciso acabar com
a Frutesp. As grandes se uniram e atacaram os fornecedores da Frutesp, que era
uma companhia controlada por uma cooperativa derivada de uma outra, maior, a
Coopercitrus. Ent?o, um grupo de citricultores da cooperativa maior se uniu e
comprou a Frutesp, transformando-a na Coopercitrus Industrial. Essa empresa n?o
tinha o mesmo presidente que a Coopercitrus, mas comprou laranjas da propriedade
dele, que era citricultor, e isso balan?ou a confian?a dos produtores na
ind?stria.
GR>>> Os pre?os pagos ao produtor come?aram a cair
nesse momento?
Viegas>>> Sim. Antes da consolida??o desse neg?cio,
chegaram a oferecer para nosso maior fornecedor 10 d?lares por caixa, numa ?poca
em que o pre?o era de 4 d?lares. No ano seguinte, ap?s a compra da Frutesp, o
pre?o da caixa de laranja caiu para 1,50 d?lar. O produtor vendia a laranja na
?rvore, mas em 1994 as empresas transferiram a responsabilidade de colher e
transportar para o produtor, sem nenhum tipo de compensa??o. E em maio de 1995
as grandes empresas assinam entre si um contrato em que dividem o mercado e
estabelecem a participa??o de cada uma. Todas as ind?strias foram compelidas a
entrar no esquema.
GR>>> E quais s?o as regras desse acordo?
Viegas>>> No in?cio da safra, as empresas se reuniam para definir
como pagariam os produtores naquele ano. Todos pagariam o mesmo valor. E
combinavam tamb?m um pre?o para o mercado externo. Al?m disso, se houvesse
desequil?brio e, por acaso, algu?m ficasse com mais fruta, era preciso dividir
esse volume ou compensar as parceiras financeiramente.
"AS MESMAS
EMPRESAS QUE ATUAM NO BRASIL OCULTANDO INFORMA??ES T?M DE SER TRANSPARENTES NOS
ESTADOS UNIDOS"
GR>>> Existe essa carteliza??o documentada. Por
que o setor ? t?o pass?vel desse tipo de atua??o? Falta regulamenta??o?
Viegas>>> N?o h? nenhuma transpar?ncia no Brasil. Hoje, essas
mesmas ind?strias dominam 50% do mercado da Fl?rida, mas l? elas s?o obrigadas a
agir de maneira transparente e, semanalmente, devem dar informa?es sobre
pre?os, estoques e vendas. Aqui as informa?es s?o vagas. Elas dizem, por
exemplo, que no Brasil os estoques est?o em altos n?veis, mas, se voc? perguntar
qual ? o real volume de estoques, n?o informam. Dados do Departamento de
Agricultura dos Estados Unidos (Usda) mostram que os estoques de passagem no
Brasil se situam em 60 mil toneladas, o que corresponde a 15 dias de exporta??o
brasileira. ? um n?vel baixo. O fato ? que aqui eles atuam como querem. O poder
pol?tico e econ?mico dessas empresas impede que as autoridades atuem.
GR>>> Qual ? o n?vel de depend?ncia das ind?strias em termos de
mat?ria-prima?
Viegas>>> Esse ? outro ponto fundamental que n?s
atacamos: a chamada verticaliza??o da ind?stria, que n?o tinha pomares pr?prios.
A Cargill come?ou a plantar laranja no Brasil, e a partir dessa iniciativa as
outras empresas come?aram a plantar tamb?m. E eles financiaram esse plantio por
meio dos baixos pre?os pagos aos produtores. Um relat?rio recente da Secretaria
da Agricultura do estado de S?o Paulo mostra que desapareceram 179 mil hectares
de citros na regi?o de Ribeir?o Preto, e isso corresponde a cerca de 80 milh?es
de ?rvores. Esse volume ? o que a gente estima que hoje sejam os pomares da
ind?stria. Ent?o nota-se que houve essa transfer?ncia de patrim?nio dos
citricultores para a ind?stria.
GR>>> Qual ? a perspectiva da
Associtrus em rela??o a um acordo com a ind?stria?
Viegas>>> Esse
assunto ? grav?ssimo. Olha s?, a diferen?a entre os pre?os que a empresa recebeu
e os que ela registrou soma 660 milh?es de d?lares por ano nos ?ltimos dez anos.
Ent?o s?o quase 7 bilh?es de d?lares. N?s vamos continuar cobrando. Eu quero
indeniza??o. Com o modelo atual, a maioria dos citricultores n?o se beneficia de
novas tecnologias. No mundo inteiro a citricultura ? composta por pequenos e
m?dios produtores. O perfil do estado de S?o Paulo ? o da fruticultura rent?vel
para ?reas menores. Acho que ? assim que deve ser, e n?o a produ??o nas m?os das
grandes ind?strias
GR>>> Qual ? a estimativa para a safra deste
ano?
Viegas>>> Deve oscilar entre 270 milh?es e 280 milh?es de
caixas, lembrando que foram 440 milh?es em 1999. E a grande evolu??o tecnol?gica
que aconteceu na ind?stria foi o adensamento. O pomar que eu plantei na d?cada
de 1980 somava entre 250 e 300 plantas por hectare. E hoje se planta acima de
400 plantas por hectare.