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Concentração causa impactos significativos nos setores rural e urbano

19/05/2011
Se as leis e as autoridades brasileiras ignorarem os impactos das verticalizações e concentrações crescentes, serão as autoridades dos países compradores que tomarão as providências.

É notável o trabalho da Associtrus nos últimos 8 anos, pois sem a luta liderada por ela, esses recentes acontecimentos históricos (avaliação de práticas de cartel pelo CADE, possibilidade de surgimento do Consecitrus, etc.) jamais aconteceriam. (Luiz Fernando Paulillo)

O entrevistado desta edição é o professor da UFSCar, Luiz Fernando Paulillo, que tem pós-doutorado desenvolvido na FAO-ONU (Organismo das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), em 2007.

Paulillo é doutor em Economia pelo Instituto de Economia da Unicamp; mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de São Carlos; professor associado do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos; e pesquisador do Cnpq, com bolsa de Produtividade em Pesquisa (2007-2013). Ele também foi pesquisador visitante da Universidad de Córdoba (Espanha) e do Instituto de Estudios Sociales Avanzados de España (1999/2000) e é autor de mais de 60 artigos publicados em revistas científicas reconhecidas nas áreas de economia, sociologia e gestão agroindustrial e de dois livros que analisam o setor citrícola brasileiro.

O professor Paulillo é o autor de tese de doutorado (que tratou da rede de poder no setor citrícola brasileiro) ganhadora do prêmio MOST (gestão de transformações sociais) da UNESCO (Paris) em 2001.

Associtrus - Como o poder econômico e político e a assimetria de informações no setor cítricola têm influenciado a relação entre produtores e indústrias?

Dr. Paulillo - Em um livro que lancei em 2006, chamado Agroindústria e Citricultura no Brasil, diferenças e dominâncias (editora Epapers), escrevi um capítulo que mostra a existência de uma rede de poder no setor citrícola brasileiro coordenado pela associação de representação de interesses da indústria de suco de laranja brasileira (que foi iniciada nos anos 70, ainda no âmbito da Cacex e que girava em torno das negociações do preço da caixa de laranja entre processadoras e associações de produtores). De lá para cá, a assimetria de poder cresceu. Somente houve uma redução interessante entre 1985 e 1990, período em que o contrato padrão estabelecido entre os atores produtivos da laranja efetivamente funcionou. Após 1991, apesar do contrato padrão ainda existir formalmente, ele deixou de ser cumprido por algumas processadoras e também por muitos produtores que foram seduzidos e estimulados pelo ganho de curtíssimo prazo (maior preço pago pela caixa pela indústria de suco). Com o rompimento formal do contrato padrão, as assimetrias cresceram nos canais de informação dessa rede, o aumento da concentração e verticalização industrial e o aumento da heterogeneidade da representação de interesses na citricultura, pois enquanto a indústria de suco se aglutinou em torno da Abecitrus, os produtores de laranja ou espalhavam em 3 associações de representação ou muitos nem mesmo procuravam essas associações. Assim, a desigualdade de poder no complexo citrícola aumentou, porque as diferenças econômicas a favor da indústria de suco frente aos produtores sofreram uma soma importante com o aumento das diferenças políticas (de representação de interesses). Do meu posto de estudioso sobre o desenvolvimento dessa rede de poder do setor citrícola brasileiro, eu acho notável o trabalho da Associtrus nos últimos 8 anos, pois sem a luta liderada por ela, esses recentes acontecimentos históricos (avaliação de práticas de cartel pelo CADE, possibilidade de surgimento do Consecitrus, etc.) jamais aconteceriam.

Associtrus - Como você vê a crescente concentração e verticalização nas cadeias produtivas do agronegócio, em especial, na citricultura?

Dr. Paulillo - Eu vejo com enorme preocupação, porque estamos falando de cadeias produtivas que possuem a agricultura no meio desses fluxos tecnológicos e produtivos. E a agricultura como o elo fundamental, onde atuam milhares de famílias envolvidas na produção (sejam agricultores ou trabalhadores rurais). Pessoas que geram renda para os municípios, sustentam famílias inteiras, empregam e contratam prestadores de serviços, etc. Isso significa que a concentração e a integração vertical da indústria processadora para trás causa impactos econômicos e sociais significativos no rural e no urbano. E, com a crescente globalização, se as leis e as autoridades brasileiras não entenderem ou ignorarem os impactos das verticalizações e concentrações crescentes, serão as autoridades dos países compradores que não perdoarão. Assim, se esses processos altamente excludentes atingem, num primeiro momento, as famílias rurais de agricultores e trabalhadores, num segundo momento, esses processos devem atingir as próprias processadoras exportadoras por meio de retaliações ou novos tipos de taxas e barreiras dos países compradores e, finalmente, o próprio governo sofrerá com reduções de receitas de exportação. Eu considero uma lógica burra em longo prazo. A indústria calcula um caminho de curto e médio prazo e acha que ganha com isso. Mas não é verdade porque o que vem de alguma forma volta. E, nesse caso, volta num contexto de comércio global com novas restrições para comercialização que se soma a um resultado social negativo de décadas que é muito difícil de reconstruir, porque milhares de agricultores já foram excluídos e milhares de trabalhadores partiram para outras formas de emprego (e em muitas situações mais precários como, por exemplo, a ida para o setor da cana). A citricultura é um bom exemplo porque, entre 1995 e 2009, a exclusão de produtores de laranja foi intensa, com a saída de 14.185 produtores de laranja do setor. E os mais prejudicados foram os menores produtores (gente com área até 19 hectares), em que a família mora na propriedade rural.

Associtrus - Como a concentração e verticalização impactaram nos preços pagos aos citricultores e no relacionamento comercial entre os elos da cadeia citrícola?

Dr. Paulillo - A concentração com o oligopsônio (com poucas, e cada vez menos processadoras) comprando de milhares de citricultores é terrível e só nos faz lembrar a velha e boa teoria da tesoura de preços ( o agricultor perdendo na barganha dos preços de ambos os lados industriais insumos e processadoras - de Alberto Passos Guimarães de 1979 (em A Crise Agrária). Existem teses de doutorado que já foram defendidas nos últimos 15 anos nas universidades públicas brasileiras (tanto na USP como na UFSCar) que mostraram que a integração vertical para trás da indústria brasileira de suco de laranja é uma estratégia para aumentar o poder de mercado das processadoras e que o discurso da busca da eficiência nos pomares é uma justificativa industrial que pode ter colado nas primeiras safras após o fim do contrato-padrão (entre 1991 e 1997) e ponto. Depois disso, a própria academia científica brasileira em economia, administração e sociologia rural mostrou, com teses de doutorado e artigos em revistas especializadas, que não é busca de eficiência em pomares e qualidade da fruta o que realmente é estratégico para as processadoras, mas o poder de barganha com os citricultores.

Associtrus - A indústria diz que a expulsão de mais de 20 mil citricultores da atividade nas últimas décadas deve-se à incompetência dos produtores. Como avalia a questão entre competência e remuneração justa?

Dr. Paulillo - Eu peço para qualquer dos seis leitores fazer o seguinte: visite o pomar de um pequeno citricultor no estado de São Paulo e veja que o sujeito faz milagre. Tem anos que o preço mal cobre o custo e ele está ali, produzindo, mesmo sob dívidas que crescem. Esse sujeito econômico é que da laranja faz uma laranjada. Se o produtor consegue produzir mesmo em safras com remuneração ruim, imagine com remuneração adequada. É preciso um novo sistema de cálculo de preço da caixa porque com a assimetria de informações do setor, que é histórica e os fatos provam isso, não se pode falar em competência e remuneração desequilibrada aos ganhos do setor. O Consecitrus pode fazer isso.

Associtrus - A indústria insiste em apresentar custos de produtividade muito diferentes das planilhas da Associtrus e da própria Conab. Como o senhor vê estas diferenças?

Dr. Paulillo - A metodologia desenvolvida para as estimativas da Conab representam um progresso para um setor com históricas assimetrias de informações, incluindo as estimativas de safras e o errado balizamento da indústria pelo movimento dos preços da commodity suco de laranja na bolsa de Nova Iorque. Existem diferenças que somente um sistema de estimativas como o da Conab pode começar a corrigir.



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