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Produtividade, "a nota de corte" da citricultura

19/12/2011
Publicado em 16/12/2011


Marcos Fava Neves - Markestrat/USP


Produtividade agrícola. Esse foi um dos principais vetores, se não o mais relevante, das profundas transformações que sacudiram e concentraram a citricultura paulista, a mais eficiente do mundo, na década encerrada em 2010. E será definido por ela, a produtividade, o futuro das conturbadas relações entre produtores de laranja e indústrias de suco, além da própria sobrevivência desses atores.

Historicamente escassos e sempre questionados, dados e estatísticas sobre o segmento, do lado dos produtores e das indústrias, foram publicados com mais frequência em 2011 no país. Normalmente com foco em São Paulo, que reúne o maior parque citrícola do mundo e abriga as empresas que lideram as exportações globais de suco de laranja, levantamentos e pesquisas de mercado ganharam força com os esforços de reconstrução das relações entre as partes. Mas agora, paradoxalmente, podem acentuar as divergências.

Encomendado pela Associação Nacional dos Fabricantes de Sucos Cítricos (CitrusBR), criada em 2009 pelas quatro maiores indústrias que operam no país - as brasileiras Cutrale, Citrosuco e Citrovita, além da francesa Louis Dreyfus -, estudo realizado pelo Centro de Pesquisa e Projetos em Marketing e Estratégia (Markestrat) promete esquentar as discussões em torno do Consecitrus, o conselho em gestação por empresas e agricultores para tentar aparar as arestas da cadeia produtiva.

De autoria de Marcos Fava Neves, coordenador científico do Markestrat e professor titular da Faculdades de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto (SP), e do pesquisador Vinicius Gustavo Trombin, o trabalho reforça tendências conhecidas, como a estagnação do consumo global de suco de laranja, o aumento dos custos de produção, os impactos negativos do câmbio sobre a cadeia exportadora e a concentração de envasadores e redes varejistas que comercializam a bebida, e expõe dados inéditos - tratados nos bastidores como "citroglicerina pura".

É nesse último rol que estão apontadas diferenças gritantes entre as produtividades agrícolas dos pomares de laranja de propriedade das indústrias e de muitos produtores independentes da fruta destinada ao processamento, hoje fundamentais para o atendimento da demanda das empresas exportadoras de suco.

Informa o estudo que na safra paulista 2009/10, por exemplo, 77% das 317 milhões de caixas de 40,8 quilos de laranja processadas foram colhidas em pomares com produtividade média de 909 caixas por hectares, enquanto em 23% deles a produtividade média foi de 280 caixas.

"Torna-se cada vez mais evidente que a baixa produtividade de parte dos pomares possui forte impacto sobre a lucratividade de uma parcela da produção, e com isso diferentes ambientes econômicos se formam no setor. De um lado, produtores com maiores produtividades, sejam produtores independentes ou as próprias indústrias, lucram em sua atividade agrícola, enquanto outros citricultores em mesmos patamares de preços de venda da laranja têm dificuldades em manter seus pomares devido ao crescimento dos custos de produção, dos preços da terra, demandando maiores produtividades para viabilizar a atividade citrícola", diz o estudo, intitulado "Análise de uma Década na Cadeia da Laranja".

Em um Estado como São Paulo, onde a concorrência da cana por terras é forte, o Markestrat calcula, com base nos dados médios apurados no período, que é preciso alcançar pelo menos 800 caixas de laranja por hectare para que o arrendamento da propriedade para a principal cultura "rival" não seja mais atraente. Nesse caso, o lucro líquido seria de R$ 1,20 por caixa, equivalente a mais de R$ 1 mil por hectare.

Mas a produtividade não é o único fator a apresentar grandes intervalos. O conteúdo de suco presente na fruta também é muito variável, bem como os valores e prazos dos contratos de fornecimento firmados entre as indústrias de suco e produtores independentes que as abastecem. Em linhas gerais, as empresas suprem sua demanda em três frentes: pomares próprios, contratos com terceiros e mercado spot, divididas em partes mais ou menos iguais. Levando-se tudo isso em consideração, o trabalho do Markestrat conclui que, "aos preços médios internacionais praticados reportados pelas indústrias, observa-se no período [a década analisada] que a laranja comprada dos produtores de frutas trouxe à indústria uma variação de margem oscilando entre um resultado operacional positivo de US$ 1,61 por caixa de laranja adquirida na safra 2006/07 a resultado operacional negativo de US$ 1,62 na safra 2008/09".

Assim, continua o trabalho, "observa-se que o processamento de 1,8 bilhão de caixas de laranja adquiridas de fornecedores na década analisada, correspondendo a 65% de toda a laranja processada no período [o restante foi colhido nos pomares das próprias empresas de suco], praticamente não trouxe margem operacional à indústria, tendo sido o suco de laranja e subprodutos provenientes dos pomares próprios das indústrias sua fonte de lucro no período analisado".

Nas contas do Markestrat, se fossem aplicados aos fornecedores independentes os mesmos níveis de eficiência alcançados pelos pomares próprios das indústrias - incluindo custos de produção, colheita e transporte -, que estão entre os mais elevados, e os preços médios ponderados pagos pelas empresas a esses produtores, a margem operacional total (Ebitda) na década seria da ordem de R$ 2,4 bilhões, o que representaria um resultado operacional positivo de US$ 1,33 por caixa fornecida, ou 35% sobre o preço de venda da fruta.

Ainda que o trabalho não leve em consideração os investimentos que as indústrias teriam de fazer na aquisição de novas fazendas para garantir a oferta atualmente comprada de terceiros - e esses ativos fazem muita diferença, principalmente em São Paulo, que tem as terras mais caras do país -, são números que balizarão negociações no Consecitrus, especialmente de preços. Daí porque motivarão reclamações de citricultores e poderão abrir rachaduras nas já difíceis negociações em curso.

E é a divulgação de números como esses que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) impôs como condição para aprovar, na quarta-feira, a fusão entre Citrosuco e Citrosuco, que juntas se transformaram no maior grupo exportador de suco de laranja do mundo, à frente da Cutrale. O problema, para as novas sócias, é que o Cade também "congelou" a área de pomares próprios das empresas - de onde, como mostra o Markestrat, elas tiram parte de seus resultados operacionais.

Transparência reduzirá desconfianças, diz autor do estudo Marcos Fava Neves: "Transparência é vital e passos largos estão sendo dados" Em gestação desde o ano passado, o Consecitrus, "ambiente" idealizado para abrigar negociações entre citricultores e indústrias de suco em São Paulo, deverá realizar suas primeiras plenárias no ano que vem. Para que isso possa acontecer, é premissa que exista transparência entre as informações das partes, e por isso estudos e levantamentos estão saindo do forno para servir de base para as discussões.

Não só isso. Para aprovar a fusão entre Citrosuco, do Grupo Fischer, e Citrovita, do Votorantim, o Cade também impôs como condição o aumento da transparência na cadeia produtiva e a divulgação de informações das empresas exportadoras de suco de laranja aos fornecedores independentes da fruta, inclusive para que estes tenham melhores condições de negociar preços e prever tendências de mercado.

Nesse contexto, estatísticas como as do trabalho do Markestrat (ver matéria acima) terão grande influência na cadeia produtiva, sobretudo por apresentarem dados fornecidos pelas grandes indústrias de suco - muitos deles considerados, até agora, "estratégicos". Da Holanda, onde no momento faz pesquisas de mercado, Marcos Fava Neves, um dos autores do estudo, respondeu por e-mail às seguintes perguntas do Valor:

Valor: O trabalho confirmou a tendência de retração do consumo global de suco de laranja? Fava Neves: Na verdade não chega a ser retração, e sim uma estagnação do crescimento, que esta abaixo de 1%. Resta ver se com os novos preços [mais elevados] o consumo vai cair, e nossa torcida é para que não caia. Ainda não temos evidencias. Se não cair, dá para preservar a rentabilidade dos elos indústria e produtor no Brasil.

Valor: É correto afirmar que um dos recados mais claros do trabalho é que a produtividade agrícola vai determinar as relações na cadeia?

Fava Neves: Isso não é só para a laranja. Existe uma nova agricultura em marcha, que busca produzir mais com menos recursos como terra, água e fertilizantes. É fundamental buscarmos a produtividade, mas não só para a laranja. Alguns produtores já chegaram lá, mas, na laranja, muitos ainda não chegaram. E a laranja é mais difícil que as culturas anuais [como a soja, por exemplo], pois é um investimento que já foi feito. Pomares com oito, dez anos, que foram plantados no modelo antigo, ainda não se pagaram. O que fazer? Realmente são necessárias políticas para essa reconversão.

Valor: Não há muitas desconfianças mútuas na cadeia paulista da laranja para que os dados expostos pelas indústrias sejam aceitos passivamente pelos produtores?

Fava Neves: Ainda existe desconfiança, mas com conhecimento e difusão de informações as arestas vão sendo reduzidas. O número da indústria está colocado, e foi auditado. Foram feitas seguidas pesquisas e reuniões com técnicos de campo e das atividades industriais. Transparência é vital e passos largos estão sendo dados.

Valor: A citricultura é formada por castas de produtores. Algumas fiéis às indústrias, outras contrárias. Até que ponto critérios objetivos como a produtividade agrícola, passíveis de questionamentos por natureza, poderão prevalecer?

Fava Neves: Se a indústria não teve resultado operacional com esse processamento [da laranja fornecida por produtores independentes], significa que comprou caro de um grupo e compensou comprando mais barato de outro grupo. Na verdade, também houve transferência de renda entre produtores - os que venderam bem receberam dos que venderam mal. Isso é fato. Quem entende do setor já espera os números do nosso estudo, mesmo sem tê-los visto.

Valor: É justificável que as indústrias tenham margens positivas com a fruta comprada de terceiros?

Fava Neves: Sim, pois elas são extremamente eficientes em seus pomares. Usam tecnologia de última geração e têm gestão celular em cima dos custos, além de controle total sobre recursos humanos. Enfim, são fortes. E esse pessoal começou na laranja, portanto também têm DNA agrícola.

Valor: Não é com o suco e outros subprodutos que as indústrias têm de lucrar? Fava Neves: Um empresário tem que ter lucro em todas as suas atividades. Ninguém é agente social. Os produtores fazendo fruta tem que ter lucro, a indústria produzindo fruta tem que ter lucro, e a indústria esmagando fruta e produzindo suco e subprodutos tem que ter lucro. Caso contrário, o negócio não se sustenta por muito tempo, e tanto produtores quanto indústrias saem da atividade, como já aconteceu. (FL)


Crédito: De São Paulo, VALOR Economico, 16/12/11
http://www.sanicitrus.com.br/virtual/noticias/frame/frame.htm?serial=20000163&seccao=site

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