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E a reportagem sumiu

06/11/2013

Por Carlos Brickmann em 05/11/2013 na edição 771

A Siemens denunciou oficialmente a existência de um cartel no setor de equipamentos e serviços para metrô e trens urbanos. A Alstom, concorrente internacional da Siemens, vem sendo investigada na Suíça pelo pagamento de propina para ganhar concorrências no setor de equipamentos e serviços para metrô e trens urbanos. Nos dois casos, o epicentro é São Paulo.

Pois foi em São Paulo, na semana passada, que se realizou a Fenatran, Feira Nacional de Transportes. Num dos estandes, o da Transpodata, importante revista do setor de transporte de carga, um seminário reuniu durante três dias empresários do setor, dirigentes de sindicatos patronais, altos funcionários do BNDES e especialistas na área. Só não havia imprensa para ouvi-los – não sobre o seminário, mas sobre o tema do cartel e da propina, que centraliza a luta política no Brasil de hoje. Ouvir um líder empresarial sobre formação de cartel e pagamento de propina em seu setor é complicado: primeiro, dificilmente ele terá vontade de falar. Pode dar galho. Segundo, tem uma barreira de proteção, secretárias, adjuntos, auxiliares. Ficar na porta da empresa ou do sindicato é bobagem: ele sairá pela garagem, num carro com vidros escurecidos, com seguranças, e não vai parar a menos que alguém se arrisque a ser atropelado e se jogue no caminho.

Já num seminário o líder empresarial está fora de seu ninho, desprotegido, ao alcance dos repórteres. Nem é preciso fazer uma entrevista formal: um bate-papo no cafezinho sobre diversos assuntos, inclusive este, permite colher informações preciosas. Dá para ouvir um dirigente conversando com outro, com empresários do setor, trocando figurinhas. Está todo mundo mais descontraído, sem aquele aparato que cerca os escritórios. Não há telefones tocando, nem gente ansiosa reclamando que precisa ser recebida rapidamente. Grandes repórteres já fizeram grandes reportagens apenas ouvindo as conversas, sem necessidade sequer de identificar-se. Ou participando das conversas – nessas horas, ninguém pensa em pedir sigilo para as informações que oferece no papo informal.

Vale a pena ouvir conversas dos outros. Não faz muito tempo, o ministro Ricardo Lewandowski falou muito ao celular, e muito alto, sem perceber que havia jornalistas por perto, e isso deu matéria de grande repercussão. Este colunista, a partir de uma conversa que ouviu, foi ao então chanceler Magalhães Pinto conversar sobre o desejo do governo militar brasileiro de construir uma bomba atômica. Era verdade; e só no governo Collor, vinte anos depois, a estrutura clandestina para produzir a bomba foi desmontada.

Claro que há problemas em buscar informações nos lugares onde estão. Os empresários têm de tocar as empresas e, por isso, esse tipo de evento que os reúne para debater problemas do país sempre ocorre cedo. Oito da manhã, no Parque Anhembi, São Paulo, é jogo bruto; exige que o repórter acorde cedíssimo e passe a manhã no serviço, correndo em seguida para a Redação para disputar seu espaço. Anda-se muito para chegar a qualquer lugar numa feira desse tamanho. Em compensação, além de fazer a matéria que está buscando, é possível passear um pouco e colher outro tipo de informação, que pode levar a outras reportagens. No caso desta Fenatran, por exemplo, houve pelo menos dois fatos que podem levar a boas pautas: o lançamento de muitos modelos de caminhões pesadíssimos e a modernização dos motores (menos poluentes, seguindo os padrões europeus Euro 5) e das cabines, hoje cheia de mostradores e relógios que permitem controlar equipamentos cada vez mais complexos.

Mas quem está preocupado com matéria? Se dá para ganhar de presente informações unilaterais de quem investiga ou acusa, se dá para “ouvir o outro lado” de maneira sumária (normalmente resumido em “Fulano nega as acusações”), agradando assim à fonte acusatória, para que trabalhar mais e ainda se indispor com alguém importante? Só para prestar serviço ao consumidor de informação? É melhor trabalhar mais tranquilo e dormir até mais tarde.


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