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A deterioração das relações contratuais entre empresas processadoras e citricultores

28/04/2015

Por

Murilo Secchieri de Carvalho

Doutorando em Engenharia de Produção – UFSCar.
Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – IFSP.

Desde a década de 70, a utilização de contratos nas relações entre citricultores e empresas de processamento de laranja para fabricação do suco e seus subprodutos, constituiu uma forma comum para a venda antecipada da safra e de garantias entre as partes.

Estabelecer um contrato sempre foi necessário devido aos investimentos mútuos, alguns irrecuperáveis e com longo prazo de retorno, feitos tanto pelos produtores quanto pelas empresas de processamento. Isto criara uma elevada dependência bilateral e a necessidade de estabelecer acordos formais para garantir o retorno sobre estes investimentos realizados.

Os contratos de 1978 a 2012 podem ser subdivididos em modelos contratuais distintos: contratos a preço fixo (1978 a 1986), contrato padrão (1987 a 1995) e contratos específicos (1996 a 2012).

Nos contratos a preço fixo, havia uma média de vinte e quatro (24) itens contratuais, passando a ser de cento e treze (113) no contrato padrão e algo em torno de noventa e dois (92) nos contratos específicos.

Esse aumento no número de itens dos contratos representou a necessidade de maior controle sobre os direitos e as obrigações das partes, especialmente relativas às incertezas da atividade, garantias dos atributos de qualidade do produto e possíveis penalidades sobre eventuais oportunismos.

Nos contratos a preço fixo havia a participação e arbitragem da CACEX (Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil), uma terceira parte para o equilíbrio de forças e precificação da caixa, conseguindo assim dividir as responsabilidades no acordo formal e criar uma sinergia positiva bilateral. Neste período, obrigações e direitos eram distribuídos de maneira equânime, uma vez que havia concorrência entre as processadoras e o poder sobre o mercado da laranja era muito menor.

Além disso, a maioria dos contratos neste período incorporavam elementos não escritos relacionais, que são princípios fundamentais para a estabilidade e coesão do contrato ao longo do tempo, dentre eles: integridade ampla, reciprocidade (mutualidade), planejamento e cooperação, consentimento efetivo, flexibilidade, solidariedade contratual, interesse em restituição/confiança/expectativa (normas de junção) e criação de restrições de poder (normas para limitação de poder).

Os contratos a preço fixo estavam lastreados por estes princípios relacionais e previam, sem a necessidade de termos escritos, algumas práticas que demonstravam esta confiança, cooperação, solidariedade, interesse amplo e reciprocidade entre as duas partes compradora e vendedora, como:
• adiantamento de valor monetário sobre o número estimado de caixas de laranjas para os citricultores pela agroindústria, mesmo durante a florada e antes no início do ano/safra;
• alguns casos na década de 70, onde o preço da caixa foi fixado posteriormente pela empresa processadora, ao final do ano/safra, e com anuência do citricultor;
• a pulverização dos pomares, assim como execução da colheita e transporte, feitos pela empresa processadora.

Neste caso, dos contratos a preço fixo, havia um interesse por compartilhar riscos e manter a integridade ampla da relação dada pela melhor divisão dos resultados finais e pela melhoria das atividades produtiva da outra parte.

O contrato padrão surgiu em decorrência do crescimento do setor citrícola e da busca de uma metodologia que permitisse que o citricultor tivesse sua remuneração atrelada ao mercado internacional do suco podendo beneficiar-se das altas de preços que as geadas na Flórida estavam provocando, sendo que, a própria dolarização dos preços ocorre em decorrência da internacionalização do setor e do processo inflacionário que o país atravessava.

A partir do modelo de contrato padrão, orientados pela agroindústria com atuação indireta da Frutesp, ainda houve um compartilhamento da rentabilidade entre as partes.

A atuação da Frutesp, como empresa ligada aos interesses tanto das empresas exportadoras quanto dos citricultores, especialmente a partir de 1979 (quando passa a ser gerida pela Coopercitrus Industrial), permitiu um equilíbrio de forças e estabilidade das relações contratuais formais entre as partes, pois a divisão de 50% dos lucros pela venda do suco com os citricultores, definida pela Frutesp, permitia uma relação mais justa e duradoura, isso até sua venda em 1992.

Entretanto, em uma análise mais detalhada do contrato padrão, é possível encontrar algumas cláusulas oportunistas e até abusivas, pois incorporava à fórmula de transmissão de preços da caixa, valores assimétricos e de origem indefinida, trazendo complexidade ao seu entendimento e fazendo uma ruptura parcial dos princípios relacionais presentes nos contratos a preço fixo.

Somado a isso, havia uma contestação das organizações de representação coletiva sobre o cálculo de preço da caixa que utilizava o dólar médio e não o dólar do dia anterior para o pagamento do produtor, sendo então, os preços impactados pelas sucessivas desvalorizações cambiais daquele período.

A imposição de um modelo contratual, sem a devida discussão com os citricultores, colaborou para um gradual processo de perda de legitimidade da agroindústria na negociação do preço da caixa de laranja, pois incorporava itens contratuais que feriam normas e princípios relacionais importantes para o acordo formal e o seu futuro.

Esse processo de deterioração relacional se acentua especialmente a partir de 1992, com a venda da Frutesp para o grupo francês Louis Dreyfus Commodities (LDC), isso porque o principal risco do contrato de compra e venda de laranja, o preço da caixa, começou a ficar bem abaixo dos contratos estabelecidos antes pela Frutesp, pois não incorporava plenamente o resultado da venda internacional do suco e dos subprodutos da laranja.

Depois da denúncia de cartelização, feita pelos citricultores em 1994 à Secretaria de Defesa Econômica (SDE) e a posterior decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), pelo fim do contrato padrão em 1995, não modificou a postura anticoncorrencial da indústria. Isso porque, houve o descumprimento pelas empresas processadoras do compromisso de cessação, estabelecido pela autarquia e assinado pela indústria em seu termo de ajuste de conduta. A compra de fazendas e o plantio de pomares próprios representaram um efeito contrário e na relação contratual posterior.

A proibição da utilização do contrato padrão, onde a negociação se dava entre entidades representativas dos citricultores e as indústrias, e o início dos contratos específicos, nos quais os produtores negociavam individualmente com as indústrias, elevou ainda mais o poder de barganha das empresas processadoras ao pulverizar as negociações bilaterais e direcioná-las aos interesses da indústria.

Além disso, o compromisso de cessação acabou não sendo cumprido, dado que não foi criado mecanismos efetivos de impedimento legal para a sucessiva concentração e a ampliação do plantio de pomares próprios pela indústria. Isso agravou o processo de concentração industrial do setor, fortalecendo o oligopsônio e aumentando o seu de poder sobre o mercado da laranja.

O processo de concentração industrial horizontal e vertical associado à capacidade e o grau de manobra da indústria sobre o desenho contratual resultante, a fim de ampliar ainda mais a apropriação da renda da cadeia produtiva do suco, acabou por deteriorar substancialmente as relações contratuais entre os atores produtivos, culminando posteriormente em conflitos e litígios judiciais.

A utilização de contratos específicos e direcionados a cada citricultor, acabaram por aumentar e dificultar a precificação da caixa nos anos safras seguintes, com sensível aumento dos deveres e obrigações dos citricultores e sem uma contrapartida em preços.



FIGURA 1: O número de obrigações/deveres dos citricultores e agroindustria presentes nos diferentes modelos contratuais adotados entre 1978 a 2012.

Durante os contratos específicos, houve a saída de muitos pequenos e médios citricultores da atividade e a formação de outras organizações coletivas como os pools de citricultores, indicando talvez a crescente dificuldade para a negociação do preço da caixa.

A era de prosperidade e maturidade das décadas de 80 e início de 90, se reverteram em uma crise sem precedentes na atividade citrícola paulista, ocorrida por conta de uma visível deterioração das relações contratuais bilaterais.

A crise e estagnação da citricultura, especialmente a partir de 2000, contrastaram com o crescimento e prosperidade da indústria, que intensificou seu processo de concentração e integração com: compra de novas fazendas para plantio de laranjas, processos de fusão e aquisição, ampliação dos armazéns de estocagem nos portos (nacional e internacional), transporte rodoviário a granel do suco e leasing de navios para transporte a granel.

A falta de princípios relacionais para nortear os contratos específicos, e de uma terceira parte na sua arbitragem, têm levado os citricultores aos tribunais de justiça, na tentativa de reverter as práticas anticoncorrenciais e contra as cláusulas abusivas e unilaterais da indústria.

A busca agora em 2015 é por uma isonomia na negociação do contrato e divisão equânime dos deveres e obrigações, tanto no processo de produção da laranja como nos resultados pela venda do suco e subprodutos da laranja no mercado internacional, pois são quinze anos de estagnação do setor citrícola.

A deterioração das relações contratuais históricas, especialmente com o fim do contrato padrão e início dos contratos específicos, se deve essencialmente a inexistência de um agente coordenador da cadeia produtiva agroindustrial, especialmente na arbitragem dos conflitos e na divisão e não imposição de cláusulas, consideradas abusivas e unilaterais, que ferem os princípios do contrato relacional.

A intensão e criação de um conselho da citricultura, o Consecitrus, nos moldes do Consecana, poderão trazer benefícios importantes para uma melhor arbitragem na formulação de preços e desenhos contratuais justos e imparciais.

O contrato esperado, lastreado pelos princípios relacionais, poderá definitivamente mudar a trajetória de crise enfrentada pelos produtores de laranja, que atualmente contrasta com a prosperidade e crescimento da indústria processadora.

A ideia de um acordo bilateral único que compartilhe tanto os ganhos da atividade ao longo da cadeia quanto os riscos, em um ambiente de incertezas, podem incorporar elementos relacionais essenciais para relações contratuais mais duradouras, estáveis e coesas, que reduzam os conflitos e evitem maiores prejuízos para a citricultura nacional.


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